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13/07/2022 às 20h11min - Atualizada em 13/07/2022 às 20h11min

Morte incentivada (por Tânia Fusco)

A morte de Marcelo não surpreende. Era anunciada. Mas choca e assusta. Como nunca, convivemos com ódios explícitos

Guga Noblat
https://www.metropoles.com/
Reprodução/redes sociais
João, três anos, passeia com o pai, vê um avião no céu e, bem sério, comenta: Vou mandar um avião desmatar meus vovôs.
 

Maria, a irmã de sete anos, ensina: Desmatar é derrubar e queimar floresta.

João simplifica: Mas queria desmatar meus vovôs.

João anda encafifado com os avós paterno e materno, que morreram bem antes dele nascer. Costuma dizer que um ou outro gostam disso, não gostam daquilo. Confia que, algum dia, vai conseguir “desmorrer” os dois.

Desmatar, no sentido muito particular do João, é coisa impossível. Matar é fácil. Tem causas diversas – psicopatias, fúria, ódios, incentivo e autorização tão expressos que chegam a ser mando.

No sábado 9, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, Jorge José Rocha Guaranho somou causas – ódio + incentivo + autorização – para matar Marcelo Aloísio de Arruda, guarda civil.

Petista e tesoureiro do partido, Marcelo comemorava seus 50 anos em festa que tinha o PT e Lula como tema. Atingido, revidou e feriu gravemente o agressor bolsonarista. Duas famílias desgraçadas.

A mãe do assassino lastimou: Eles nem se conheciam. A culpa é do extremismo.

Guaranho matou por ódio ao PT e aos petistas. Elementos que, desde a campanha presidencial de 2018, têm incentivo, beirando ao oficial, para serem devidamente “finalizados”.

O atual presidente da República, ad aeternum, prega tortura e morte dos adversários, que enxerga como inimigos a serem exterminados.

Em público, já exibiu arma ensinando, sem constrangimento, que era para “metralhar petistas”. Seu símbolo máximo é arma apontada com os dedos. Incontáveis gestos e falas do PR e de sua trupe têm ordenança de violência e de morte.

Guaranho, policial penal federal, bolsonarista exibido, do nada, invadiu a festa do petista Marcelo e cumpriu o mandado. Aos costumes, missão dada, missão cumprida.

No dia do assassinato de Marcelo, Eduardo Bolsonaro, o filho 03 do Jair, era estrela de evento pro armas, no DF. Depois, celebrou seus 38 anos com um bolo no formato de revolver. Tudo devidamente registrado nas mídias sociais. Com destaque para o bolo.

Armas têm a função de matar.

Desde 2019, o governo Bolsonaro disparou 30 decretos normativos para facilitar o acesso às armas. Cumpriu a promessa de armar os seus.

Hoje, o Brasil tem 1,5 milhão de armas ativas registradas na Polícia Federal.

Dados do Sistema de Gerenciamento Militar indicam que 673.818 cidadãos brasileiros têm armas de fogo no país – 1067% mais do que os 63.137 registrados em 2017.

Ditos caçadores, atiradores esportivos, e colecionadores (CAC) têm em mãos mais armas do que as Polícias Militares. Em 2021, os CACs compraram 7,2 milhões de cartuchos – 140% a mais do que em 2020 e 240% mais do que em 2017. Já têm seu paiol pra guerra.

Temos um país armado por bolsonarista, para mãos bolsonaristas – majoritariamente.

As armas que mataram o petista Marcelo e feriram o bolsonarista Guaranho eram oficiais – das corporações onde atuavam. Outras milhares, com porte consentido, estão entre nós, com objetivos diversos, muitos inconfessáveis.

A morte de Marcelo não surpreende. Era anunciada. Mas choca e assusta. Como nunca, convivemos com ódios explícitos. Qualquer espaço público pode ser cenário de agressões com motivação política, tendo como protagonistas fanáticos bolsonaristas. Ativistas da fúria vingativa.

Às portas da eleição, com o país – e o mundo – em crise e desalentos, mais um governo desvairado e ameaçador, como desfazer esse ódio armado?

Crescendo um pouco, João vai acabar aprendendo que não dá para “desmatar” os mortos. .

Adultos, seguimos driblando a morte, que é definitiva, e insistindo em buscar receita para ressuscitar no Brasil cordialidade e respeito com os desiguais.

Não fomos sempre assim tão descivilizados. Nem tão odiosos e odientos.

Com devida licença pela alteração dos pronomes no “Poeminha do Contra”, do grande e rebelde Mario Quintana.

Esses que aí estão

Atravancando nosso caminho,

Eles passarão…

Nós passarinho!


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