A responsabilização do ex-presidente depende de que a Procuradoria-Geral da República apresente uma denúncia e ela seja aceita e julgada pelo Supremo, mas o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, não acredita que Bolsonaro tenha chance de reverter as acusações. “Não há nada que ele possa fazer para se distanciar [da trama], ainda que sua defesa técnica seja criativa”, afirmou ao site IstoÉ.
Carvalho ganhou notoriedade durante a Lava Jato, quando o movimento que coordena militou pelo direito de defesa em oposição ao punitivismo praticado e popularizado com a operação. Nesta entrevista ao site IstoÉ, o advogado afirmou que o ex-presidente deve ser preso preventivamente e punido de forma severa, mas defendeu seu acesso ao devido processo legal.
Leia a seguir a íntegra:
IstoÉ Os indiciamentos da PF associaram uma espécie de “núcleo central” do governo Bolsonaro à trama golpista. Uma vez que as denúncias sejam apresentadas e aceitas pelo Supremo, há um caminho para o ex-presidente se dissociar das acusações criminais? Qual é a perspectiva jurídica para Bolsonaro?
Marco Aurélio O bojo desse inquérito, resultado do bom trabalho da Polícia Federal, envolve de forma decisiva o núcleo central do governo Bolsonaro em um atentado contra o Estado de direito e a democracia brasileira. Não há nada que Bolsonaro possa fazer para se distanciar da condição de, ao menos, mentor ou líder intelectual desse processo, ainda que sua defesa técnica seja criativa.
As perspectivas jurídicas para o ex-presidente seguramente não são as melhores, porque a praxe do Estado de direito é prender aqueles que o colocam em risco. Bolsonaro merece punição severa e rigorosa, desde que ela respeite as legislações penal, processual e constitucional, com amplo direito a defesa e respeito ao processo legal, como se deve exigir para todo cidadão brasileiro.
IstoÉ Observando as tendências atuais do Ministério Público, o senhor entende que a Procuradoria-Geral da República pode não apresentar denúncias no caso? Em se confirmando a apresentação, o Supremo pode não acolhê-las e, assim, não instaurar o processo?
Marco Aurélio Não vejo nenhuma chance de que o Procurador-Geral não apresente denúncias contra Bolsonaro e seus asseclas. Paulo Gonet é uma pessoa séria, com espírito público, e as denúncias apresentadas devem ser contundentes. Em sendo assim, também não vejo como o Supremo, que talvez tenha sido uma das grandes vítimas desse processo [da trama golpista], poderia não aceitá-las.
IstoÉ O senhor crê na aplicação de medidas mais incisivas contra Bolsonaro ou nomes próximos a ele antes do trânsito em julgado do processo, a exemplo de uma prisão preventiva?
Marco Aurélio A expectativa é que as medidas contra Bolsonaro sejam incisivas porque elas tem uma dupla dimensão: uma é a da punição propriamente dita, que está presente na legislação penal, e a outra é a pedagógica, dado que ele precisa servir de exemplo para outras pessoas não se sentirem instadas a fazer o mesmo. Quanto à prisão preventiva, é uma medida bem-vinda, os elementos justificam [que ela seja empregada].
Qualquer que seja a punição, é importante que o ex-presidente tenha asseguradas todas as garantias de defesa e, após a confirmação das condutas, possa ser punido nos limites do que a Legislação estabelece. Ninguém pode estar acima da lei, mas ninguém está abaixo dela.
IstoÉ O processo criminal deve enquadrar Bolsonaro e os demais envolvidos pelos crimes concluídos no indiciamento?
Marco Aurélio A tendência é essa, de responsabilização pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. É o caminho natural e aguardado pelos advogados.
IstoÉ Para o senhor, o indiciamento afeta a situação de Bolsonaro na Justiça Eleitoral?
Marco Aurélio Acredito em um prolongamento da inelegibilidade do ex-presidente [ele está inelegível até 2030 pelo entendimento de que cometeu abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação ao reunir embaixadores estrangeiros no Palácio do Alvorada, em julho de 2022, para atacar o sistema eleitoral brasileiro].
Do ponto de vista do direito eleitoral, não há crimes mais graves do que esses, porque ferem a democracia e as instituições frontalmente.
IstoÉ Na condição de coordenador de um movimento que representa um setor do direito brasileiro, como o senhor avaliou a reação das instituições às conclusões da PF?
Marco Aurélio O que espanta a todos nós, integrantes do grupo Prerrogativas, é um silêncio ensurdecedor de parte da elite brasileira e das instituições. É momento de a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), da classe empresarial e das entidades representativas de magistrados e advogados se manifestarem.
Se fosse o presidente Lula [o indiciado], seguramente a reação seria outra, muito mais severa. Parte da sociedade tende a normalizar o que aconteceu, mas foi gravíssimo e requer um repúdio de todos os setores para que não volte a acontecer.
IstoÉ O senhor esteve com o presidente Lula após a revelação da tentativa de executá-lo e o próprio indiciamento de Bolsonaro. Qual foi a reação dele a esse conjunto de fatos?
Marco Aurélio O presidente sempre depositou uma crença sincera na democracia, e ser vítima pessoal, política e institucionalmente de uma tentativa de golpe como essa é algo que o assustou, sem dúvida. Mas ele reagiu com bastante serenidade, com a firmeza dessa crença nas instituições.