Segundo o delegado, quando a Polícia Militar chegou, já não encontrou a investigada, que havia se misturado aos turistas – o distrito do município de Porto Seguro é um importante polo turístico baiano.
O delegado Oliveira disse ao Estadão que a Polícia Civil pediu à Justiça a adoção de medidas cautelares. “Como não houve prisão em flagrante, representamos para que a autora dos fatos investigados seja proibida de entrar em contato com a vítima, pela proibição de se ausentar do País enquanto durar o processo, e para que seja proibida de frequentar o estabelecimento comercial da vítima”, disse.
Comerciante judia sofre ataque antissemita na Bahia
Segundo o delegado, o conteúdo do depoimento permanece em sigilo devido à continuidade das investigações. “Em termos gerais, a pessoa investigada alegou que toma remédios controlados, que já conhecia a vítima e perdeu a cabeça, mas que não agrediu a comerciante, pois foi contida pelo seu companheiro. Recebemos o laudo do exame pericial feito pela vítima e realmente não há lesões, mas o avanço do inquérito deve indicar se, além dos outros possíveis crimes, ela será indiciada por tentativa de lesão corporal ou vias de fato, que é uma contravenção penal”, explicou.
Ainda conforme o delegado, o inquérito policial foi instaurado na Delegacia Territorial de Arraial d’Ajuda e apura possíveis crimes de racismo, injúria, grave ameaça e dano qualificado, além da tentativa de lesão corporal. Segundo ele, o teor do boletim de ocorrência e outras informações referentes à investigação do caso não serão divulgados até a conclusão do inquérito.
Em nota, a Polícia Civil da Bahia informou que, no interrogatório, a investigada confessou os xingamentos, mas negou ser antissemita ou terrorista. Alegou que já conhecia a vítima e teria sido provocada por esta antes dos fatos, tendo sido chamada de terrorista e acusada de ter abandonado um filho. Ainda conforme o interrogatório, ela faz uso de remédio controlado e teve um ataque de fúria ao passar em frente à loja da vítima.
O vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, publicou uma mensagem no “X”, antigo Twitter, repudiando a agressão contra uma comerciante judia. “Repudio veementemente os recentes insultos antissemitas direcionados a Herta Breslauer, uma comerciante judia em Arraial d’Ajuda. Este tipo de comportamento é absolutamente inaceitável, especialmente em um país como o Brasil, conhecido por sua diversidade cultural e tolerância. O Brasil é uma nação formada pela mistura de povos e culturas, e atitudes discriminatórias contrariam os valores fundamentais de respeito e convivência pacífica. É crucial lutarmos contra o antissemitismo e qualquer forma de discriminação.”
Repudio veementemente os recentes insultos antissemitas direcionados a Herta Breslauer, uma comerciante judia em Arraial d’Ajuda. Este tipo de comportamento é absolutamente inaceitável, especialmente em um país como o Brasil, conhecido por sua diversidade cultural e tolerância. O…
— Geraldo Alckmin ?? (@geraldoalckmin) February 4, 2024
A advogada de Herta, Lilia Frankenthal, disse à reportagem que a vítima está bastante assustada e optou por não falar com a imprensa. “A Herta está muito abalada. Ela mora lá há 14 anos e nunca aconteceu nada, é uma pessoa discreta.”
Herta passou por exame no Instituto Médico Legal (IML) para a constatação de possíveis lesões decorrentes de um tapa no rosto. “Ainda que não se constatem lesões, aconteceu a via de fato, uma contravenção penal devido ao tapa que ela recebeu.”
Conforme a advogada, Herta e a mulher acusada de agressão se conheciam. “Os filhos das duas são amigos de infância. Elas não são amigas, mas já se conheciam. Consta que algum tempo antes desse fato elas tiveram uma discussão sobre a guerra de Israel, mas nada relevante e depois disso não se falaram.”
Na sexta-feira, 2, Herta estava sozinha quando a mulher entrou. “A agressora perguntou se ela estava feliz e já deu um tapa no rosto. Depois começou a xingar e quebrar tudo. A Herta começou a filmar e o namorado tirou ela à força”, contou.
Lilia disse que pediu a prisão da suspeita, com base na Lei 14.532/2023, de janeiro do ano passado, que equipara a injúria racial ao crime de racismo. A nova lei tornou a pena mais severa, com reclusão de dois a cinco anos, além de multa, não cabendo fiança. O crime não prescreve.
Segundo a legislação, deve ser considerada como discriminatória qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou a grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo ou exposição indevida, e que usualmente não dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência.
Em nota conjunta, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Sociedade Israelita da Bahia classificaram como “repugnante” a agressão contra a comerciante judia. “O antissemitismo deve ser condenado por todos, e sua explosão nos últimos meses aqui no Brasil e no mundo é consequência de visões odiosas e distorcidas sobre Israel e judeus manifestadas por personalidades e distribuídas pelas redes sociais. Isso precisa acabar para evitarmos consequências ainda mais graves”, diz a nota.
A reportagem não conseguiu contato com a investigada. Durante o depoimento à Polícia Civil, ela não foi acompanhada por um advogado e, até o início da tarde, não tinha constituído defensor para o processo. O espaço está aberto para a defesa.