Ou alguém acredita que tenha baixado um Napoleão de frente no tenente-coronel e ele, de uma hora para a outra, resolveu considerar que tinha todo o talento do mundo para ditador e decidiu que era o golpe ou nada?
É brincar com a inteligência alheia considerar que o distinto público não vai ligar léo com créo. Se não, vejamos: estávamos nós em ano de uma eleição acirrada (2022). Desde o início de condução do mandato (iniciado em janeiro de 2019) que Bolsonaro ameaçava dar um golpe no país e governar de maneira autocrata. Confiou nos generais dos quais se cercou, para fazer a liga com o comando geral do Exército e convencê-los a aderir à sua aventura, coisa que não rolou. Ainda assim, contou com o seu entorno – Mauro Cid era o seu ajudante de ordens -, para articular e pavimentar o seu sonho.
Os planos incluíam: uma convulsão social de qualquer natureza, desde que parecesse fugir ao controle, a ponto de justificar a chamada, pelo Executivo, do expediente da Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Daí tentaram no dia 30 de outubro um adiamento da votação, tumultuada por uma “operação empata”, feita ao arrepio da Lei, pela Polícia Rodoviária Federal; no dia 12, quando após a diplomação de Lula no Congresso, carros e ônibus foram incendiados nas ruas da capital; no dia 24, quando uma dupla de trapalhões (graças a Deus!), tentou sem sucesso mandar pelos ares o aeroporto de Brasília; pensaram, mas não ousaram devido à multidão que compareceu, melar a posse de Lula no dia 1º de janeiro e, por fim, conseguiram, mas não lograram sucesso na conclusão, invadir e depredar os prédios públicos, a fim de provocar, finalmente, a convocação de uma GLO pelo presidente eleito.
Alertado para o fato de que esse era o plano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva escapou da arapuca, chamando uma intervenção no Distrito Federal e não uma GLO que o colocaria nas mãos dos militares e, aí, sabe-se lá se reaveria o seu poder. Certamente não haveria nem a chance de este artigo ser escrito, pois estaríamos de volta à pauta de 1964: porões, morte, porrada e bomba.
Sendo assim, vamos parar de brincar e encarar os fatos. O golpe não deu certo, mas todas as provas estão gritando de dentro do celular do ajudante de ordens Mauro Cid que, como bem esclarece o título do cargo que ocupou, nada mais fazia do que cumprir ordens. Não é crível que houvesse de sua parte interesse em “tomar o poder”, golpeando àquele a quem serviu com fidelidade canina, a ponto de ter uma caminha no quarto contíguo ao do casal, no Alvorada, para quando trabalhasse até tarde, pernoitasse ali, aos pés do chefe.
Não convence à opinião pública que Mauro Cid, por sua conta e risco, se movimentasse para fabricar atestados de vacina (como se fosse a corte do Rei Luiz XVI, em fuga para escapar da guilhotina) para si, a família e todos os escalados que seguiriam em disparada para a terra do Pateta. Observem que somente quem fazia parte do entourage com destino a Miami teve cartões de vacina falsificado.
O roteiro, embora não seja ficção, infelizmente, grita aos olhos de todos: prepare para mim um golpe “à la carte”, tenha o cuidado de que ele pareça espontâneo, programe para uma data em que eu já esteja longe. Caso tenha êxito, eu volto nos braços do povo. E, se naufragar, que eu tenha um convincente cartão de vacina que me permita trafegar por quantos países sejam necessários, em minha fuga com a família e assessores.
Todos os preparativos ficam com vocês. E, se descoberto, você, Mauro Cid, segura todas, até que a frouxidão das leis e seus subterfúgios permitam que se junte ao seu irmão bem-sucedido, na Flórida, para uma vida ao sol.
Até aqui funcionou. Afinal, o que é uma inelegibilidade? Resta saber se o pé que se amoldou ao coturno e o corpo treinado para estar dentro de uma farda suportará com galhardia o uniforme de presidiário por muito tempo. A propósito: ex-aliado, por quê? Não está lá, aguentando a cana dura? Melhor não provocar. Vai que o humor vira...