Citado mais de uma vez pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o artigo 142 da Constituição de 1988 atingiu um novo pico de buscas no Google na madrugada desta segunda-feira (31/10), horas após o resultado das eleições de 2022. No pleito, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu o candidato à reeleição, com 50,90% dos votos.
O dispositivo, que disciplina a função das Forças Amadas no país, é presença constante em falas de apoiadores de Bolsonaro — em publicações nas redes sociais e em faixas em atos em favor do mandatário ou em comemorações do 7 de Setembro. Com a derrota desse domingo, o trecho voltou a vibrar na internet.
De acordo com o Google Trends, o assunto registrou um “aumento repentino” de buscas e teve um pico de popularidade por volta das 2h da manhã. Ele foi procurado associado a frases como: “O artigo 142 derruba o presidente”, “o que é intervenção militar” e “o que é comunismo”, todos com crescimento recente nesta madrugada.
Nas declarações, o trecho da Constituição é usado como uma espécie de autorização, ou legitimação constitucional, para que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica atuem como um “poder moderador”, caso sejam convocados para uma “intervenção militar” e para “manter a ordem”. Juristas e ministros, no entanto, condenam tal interpretação.
Antes do aumento repentino pós resultado das eleições de 2022, o último pico de pesquisas sobre o assunto ocorreu entre 5 e 11 de setembro de 2021. Porém, com aproximadamente a metade do volume das pesquisas dessa madrugada. Os estados que mais procuraram pelo termo “Artigo 142” foram: Roraima, Rondônia, Distrito Federal, Mato Grosso e Amazonas.
O que diz o artigo 142
O trecho da Constituição que trata da atuação das Forças Armadas (FFAA) e as posiciona sobre o poder “soberano do presidente da República” em questão, diz o seguinte:
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Como explica o professor de Direito Constitucional do Ceub, Alessandro Costa, a legislação determina que as forças de segurança estão sob autoridade do Estado e é permitido que ele acione o poder, em caso de guerra com outros países, ou em casos como auxílio a grandes eventos, como na Copa do Mundo.De acordo com o advogado Mateus Naves, a semente para essa interpretação equivocada para justificar uma intervenção militar com certo “verniz jurídico” foi plantada há algum tempo, desde o início do governo Bolsonaro.
“Reconhecer que as Forças Armadas possam ser usadas, excepcionalmente, na garantia da segurança pública, não deixa nenhuma margem para que sejam convocadas para intervenção de um poder sobre os outros”, explica o advogado do escritório Duarte Garcia, Serra Netto e Terra.
Ele adiciona que “evocar intervenção militar ‘constitucional’ com base em interpretação capenga, contrária aos princípios basilares da própria Constituição Federal, é pregar o golpe de Estado, desrespeitar a separação dos Poderes e silenciar a soberania do Povo”.
O diretor da Associação dos Advogados Públicos Federais (Anafe) Maurício Muriack lembra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que delimita a expressão do artigo. A determinação reforça que a prerrogativa do presidente de autorizar o emprego das forças de segurança não pode ser exercida contra os outros poderes.
“Qualquer ação militar contra um dos três poderes, impedindo o exercício de suas funções, deve ser vista como rompimento ilegal da ordem constitucional em vigor e poderá ser chamada de ‘golpe de estado'”, frisa.
Diante desse contexto, narrativas de intervenção militar constitucional “refletem uma forçada tentativa de manter apoio de uma militância, por muitas vezes fanática, e que facilmente assimilaria essa tortuosa narrativa. Convulsão social, tumultos e desrespeito à ordem estabelecida seriam os resultados previsíveis dessa interpretação”, avalia Alessandro Costa.