“O golpe é uma narrativa, sempre vinculada a Bolsonaro e a dois ou três generais que fazem o papel de parecem suscetíveis de desencadear o golpe. Mas são todos generais da reserva, como vão desencadear o golpe sem apoio das Forças Armadas e sem tropas?”, questionou Pimentel durante a entrevista ao jornalista Breno Altman.
Pimentel se formou pela Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN) em 1987, dez anos após a entrada de Bolsonaro na instituição. Pertence, portanto, à geração seguinte aos militares que passaram pela escola a partir de 1969 e integram o atual governo.
MARCELO PIMENTEL: AS FORÇAS ARMADAS SÃO UM PARTIDO MILITAR? - 20 Minutos Entrevista
Assim, o coronel vê poucas possibilidades de que as Forças Armadas apresentem riscos para um eventual terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Voz militar dissidente, Pimentel nada contra a corrente também quanto ao golpismo do “partido militar”, que julga retórico. “O golpe é narrativo. Sei que isso contraria o senso comum, mas me sinto na obrigação de dizer até para defender meus companheiros no alto generalato, apesar de não ser defendido por eles, muito pelo contrário”.
Em sua leitura, o “partido militar” constituído pelos generais Augusto Heleno, Eduardo Villas Boas, Carlos Alberto dos Santos Cruz, Walter Braga Netto, Fernando Azevedo, Edson Pujol, Hamilton Mourão e Luiz Eduardo Ramos, entre outros, construiu um projeto de poder e hegemonia fundamentado no voto democrático.
“Uso a expressão partido porque desta vez a ruptura institucional não faz parte da ação planejada. Chegaram ao poder pelo voto, pelo menos sob o aspecto formal, avalizados pelas autoridades eleitorais e pela própria sociedade”, afirma.
Pimentel argumenta que o projeto de hegemonia por via ao menos formalmente democrática não prevê golpes como os tradicionais. “Os golpes hoje são mais inteligentes, nem têm nome de golpe, às vezes nem parece que foi. Os militares estão no poder, sem ruptura, e estamos preocupados com o golpe do capitão, que vai fazer isso com quem? Sara Winter? Daniel Silveira?”, ironiza.
As ameaças golpistas, portanto, têm o objetivo primeiro de conservar um protagonismo político militar que Pimentel classifica como “anacrônico, anti-histórico, impróprio, indevido, insensato e às vezes expresso de forma ilegal”.
Adversário da participação militar na política, seja pela direita, pela esquerda ou pelo centro, o coronel compara a atual configuração à do Segundo Império, quando vigorou uma aliança de poder entre senhores de terra, magistrados, militares das cúpulas hierárquicas (com títulos de nobreza, como Duque de Caxias) e a cúpula da Igreja Católica.
“Nossa conjuntura de 2022 tem o agronegócio, os magistrados decisivos no processo de deposição de Dilma [Roussef] em 2016 e no processo eleitoral de 2018, os militares e os religiosos, desta vez evangélicos”, compara.
As classes dominantes costumam apoiar os projetos e golpes militares, mas não em todos os casos: “este protagonismo é tolerado pelas elites, o que demonstra que elas parecem ter um lado e aprovar se for do lado que ajuda seus interesses de classe”.
Pimentel rebate uma crítica que recebe com frequência, de que daria importância demais aos militares, nos processos golpistas a partir de 2016 ou no governo Bolsonaro. "Não nego que haja outras forças, mas o protagonismo é evidente. As escolas cívico-militares são exemplo. Sargentos, tenentes, capitães inativos vão ser bedéis de escolas públicas Brasil afora, internalizando esses valores, tirando do professor a missão de formação intelectual e afetiva do aluno”.
Suas explicações e denúncias, segundo afirma, almejam contribuir no sentido contrário, de relegar o “partido militar” às notas de rodapé da história do Brasil.