“Eu nem comentei nada porque tudo o que ele queria era o que aconteceu. Ele abafou o carnaval”, afirmou. “Ele fez isso na quinta-feira. Ficou quinta, sexta, sábado, domingo, segunda e terça no auge do noticiário. Tudo o que ele quer é permanecer no noticiário, e ele não tem nenhum interesse se é coisa boa ou ruim”, prosseguiu.
Bolsonaro sabe como desviar o foco de assuntos incômodos. Nos dias que antecederam o decreto, o IBGE registrou a maior inflação para março em 28 anos. O governo foi obrigado a admitir que os pastores lobistas do MEC estiveram 35 vezes no Planalto. O noticiário revelou novas suspeitas de desvios na Codevasf, estatal loteada entre deputados do Centrão.
Ao afrontar o Supremo, o presidente varreu todos esses temas da pauta. O país voltou a discutir crise institucional, ameaças de golpe e bravatas de generais de pijama. No dia de Tiradentes, as redes bolsonaristas se empenharam em transformar um arruaceiro em mártir. A apologia da delinquência foi vendida como liberdade de expressão.
O perdão a Daniel Silveira é mais do que um factoide. Bolsonaro deu outro passo para fragilizar o Judiciário e preparar uma virada de mesa em caso de derrota nas urnas. Sua escalada autoritária impõe riscos concretos à democracia, mas isso não obriga a oposição a morder imediatamente todas as iscas que ele arremessa.
Ao descrever a tática do abafa, Lula mostra ter compreendido o funcionamento da máquina bolsonarista. Parece um avanço em relação a 2018, quando as cortinas de fumaça da extrema direita dominaram a batalha da comunicação. Falta trazer o debate de volta aos temas que importam: carestia, retorno da fome, precarização do trabalho, abandono da juventude nas periferias.
(Transcrito de O Globo)