Rudinei Marques, presidente do Fonacate (Fórum Nacional das Carreiras de Estado), afirmou nesta quinta-feira (23) que muitas categorias já se preparavam para mobilizações a partir de janeiro por aumento.
Segundo ele, o movimento estava tímido, porém agora o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) motivou uma reação mais enérgica.
"Bolsonaro pode reeditar a maior greve do serviço público, ocorrida em 2012, no governo Dilma, por cometer os mesmos erros. Visão fragmentária do Orçamento público e falta de diálogo", afirmou Marques.
O Fonacate representa carreiras típicas de Estado, a elite do funcionalismo. São servidores de áreas como a tributária, de arrecadação, de finanças, de segurança pública, de diplomacia, de política monetária e do Ministério Público.
As queixas contra a reserva de R$ 1,7 bilhão no Orçamento, aprovado na terça-feira (21), para beneficiar policiais têm se espalhado pelo Executivo e chegou até ao Judiciário magistrados também querem aumento.
O movimento começou com a entrega de cargos de chefia na Receita. Reclamações já foram feitas também por servidores do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), peritos médicos, auditores agropecuários, entre outros.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que não irá comentar.
Segundo Marques, o reajuste para apenas algumas categorias pode ser o estopim para uma insatisfação acumulada com o governo também por outros motivos. O principal deles, disse, é interferência política em diferentes órgãos.
Ele citou como exemplo ingerência na Polícia Federal, no Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e no ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Marques disse que uma mobilização irá demandar esforço extra neste momento em que há servidores ainda em teletrabalho e pelas próprias dificuldades da pandemia, mas afirmou que o incômodo é grande, principalmente pelo privilégio dado a apenas algumas categorias.
"O governo está atravessado na garganta há muito tempo. Deixar os outros sem nada está incomodando e gerando indignação como eu não via havia muito tempo", afirmou.
As declarações se somam ao movimento iniciado na Receita, que até agora tem sido o mais expressivo. O Sindifisco (sindicato dos auditores) já registra mais de 600 entregas de cargo de chefia.
Além disso, 44 servidores entregaram os cargos de conselheiros do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, responsável por julgar disputas tributárias entre a União e contribuintes).
O órgão é uma espécie de tribunal da Receita. Com isso, a situação pode inviabilizar julgamentos a partir de janeiro, quando começam a ser decididos os recursos mais relevantes em questões tributárias.
"Entendemos que a situação atual se mostra incompatível com o exercício das nossas funções, pelo que solicitamos a dispensa do mandato que ora desempenhamos", afirmaram os servidores em carta pública.
Também houve 17 exonerações na Copei (Coordenação-Geral de Pesquisa e Investigação da Receita), órgão de combate à sonegação, lavagem de dinheiro e crimes financeiros.
Os servidores da Receita brigam contra o corte de custos no Fisco e a favor da regulamentação do chamado bônus de eficiência, que já é pago mas com um valor fixo, independentemente da produtividade.
"O corte orçamentário na Receita será usado para custear aumento dos policiais", afirmou Kleber Cabral, presidente do Sindifisco.
A cúpula da Receita já teve conversas com representantes dos servidores para tentar acalmar a situação.
Foi dito que, tecnicamente, o montante previsto no Orçamento para reajustes não está carimbado para policiais e que, por isso, ainda há chance de os servidores do Fisco ficarem com parte dos recursos (eles demandam R$ 400 milhões).
No entanto, os servidores ainda estão céticos e seguem no movimento nacional. Segundo o Sindifisco, a entrega de cargos envolve o compromisso de que ninguém irá ocupar a posição.
Entre as possibilidades discutidas, também está a operação padrão na aduana, o desligamento dos projetos nacionais e regionais, e deixar de fazer o preenchimento de relatórios gerenciais.
A Anpprev (Associação Nacional dos Procuradores e Advogados Públicos Federais) afirmou que a concessão de reajustes apenas para servidores da segurança pública é injusta e negligencia mais de um milhão de servidores sem aumento.
"Como resultado dessa política salarial errática, será estabelecida uma assimetria injustificável", afirmou Thelma Goulart, presidente da Anpprev.
Ela criticou a reserva de R$ 16,5 bilhões para emendas de relator, usada para negociações políticas entre Planalto e Congresso, e o fundão eleitoral, para campanhas, com R$ 4,9 bilhões.
"Não falta dinheiro para reajustar as remunerações, só não há vontade por parte da equipe econômica do governo em fazê-lo", disse Goulart.
O presidente do Unacon Sindical (sindicato que representa os servidores da carreira de finanças e controle da Secretaria do Tesouro Nacional e da Controladoria-Geral da União), Bráulio Cerqueira, disse que o repúdio aumenta ao saber "que o arrocho não se trata de escolha técnica, mas arbitrária e injustificável".
Segundo ele, o movimento pode evoluir para uma paralisação. "Não há razão técnica para proteger apenas as remunerações de militares e dos colegas da segurança", afirmou.
Outras categorias ainda neste final de ano realizam assembleias para discutir eventual paralisação.
A Anffa Sindical (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários) lembrou que a categoria teve papel durante a pandemia e por isso se sente desprestigiada por não ter sido beneficiada.
"Durante o ápice da pandemia de Covid-19, os auditores garantiram a circulação de produtos agropecuários inspecionados e mais seguros para o consumo da população brasileira e para o mundo, evitando riscos de desabastecimento", afirmou a entidade, em nota.
Juízes já se manifestaram sobre o aumento só para policiais. Nesta quinta, a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) divulgou uma nota na qual afirmou que medidas são estudadas e ainda cobrou providências do chefe do Judiciário, ministro Luiz Fux, que preside o STF (Supremo Tribunal Federal).
"Esperamos uma efetiva atuação do chefe e dos órgãos de referência do Poder Judiciário, a quem cabe zelar pelo correto cumprimento das leis e do texto constitucional", afirmou Renata Gil, presidente da entidade.
Segundo ela, "é preciso valorizar o trabalho de todas e de todos que se dedicam às carreiras públicas".
"O Judiciário, durante todo o período da pandemia, marcado por sofrimento e incertezas, respeitou novos limites legislativos e atuou como garantidor dos diretores fundamentais e da democracia", afirmou.