Após a publicação desta reportagem, Alberto Gaspar também falou com o Notícias da TV e enviou um texto sobre o acontecido (leia completo também ao fim deste texto). O jornalista disse sair com o sentimento de missão cumprida: "Pretendo continuar fazendo o que gosto, e há várias maneiras, para isso. Só não topo qualquer negócio, no mau sentido da expressão. Isso, quem me conhece, já sabe. Tudo pode mudar. A ética da profissão que me deu tanto, na vida, não".
Alberto Gaspar se formou em Jornalismo pela Universidade de São Paulo e entrou na Globo em 1982, como estagiário, indicado pelo amigo e ex-colega de faculdade Ernesto Paglia. Logo foi promovido a repórter do Bom Dia São Paulo. Começou fazendo reportagens de serviço, mas não demorou a decolar na carreira.
Cobriu as primeiras eleições para governadores depois do golpe militar de 1964, a campanha pelas Diretas Já, em 1984, e a internação e morte do presidente eleito Tancredo Neves (1910-1985), em abril do ano seguinte. Tancredo estava no Instituto do Coração, em São Paulo.
O jornalista se casou no final de década de 1980 com a também repórter Glória di Monaco. Preocupado com a segurança e qualidade de vida do primeiro filho, o casal decidiu se mudar para o interior de São Paulo. Alberto Gaspar passou então pelas afiliadas da Globo em Ribeirão Preto, Campinas e Varginha (MG). Voltou para São Paulo para trabalhar no Globo Rural, programa em que fez reportagens marcantes em sua carreira.
De volta ao jornalismo diário, em 1995, iniciou uma série de coberturas de tragédias. A primeira foi a do acidente do avião Fokker 100 da TAM, em 1996, que caiu logo após decolar de Congonhas. Em 2014, voltou a trabalhar em um acidente aéreo, o que matou o candidato à Presidência da República do PSB, Eduardo Campos (1965-2014), em Santos, no litoral de São Paulo.
Alberto Gaspar e Ari Peixoto têm mais em comum do que a demissão na mesma data. Ambos foram correspondente em Buenos Aires e em Jerusalém e voltaram recentemente a trabalhar presencialmente --desde março do ano passado, estavam atuando em home office, por pertencerem a grupo de risco de Covid-19. Peixoto substituiu Gaspar em ambas as cidades.
Peixoto começou na Editoria Rio em 1º de abril de 1987, com a condição de que raspasse sua barba, como contou ao Memória Globo. No Rio, fez todo tipo de reportagem, das mais sérias, como as disputas sangrentas de traficantes nos morros cariocas, às mais divertidas --em inúmeras coberturas de Carnaval.
Como correspondente no Oriente Médio, Peixoto cobriu a Primavera Árabe, em 2011. De volta ao Brasil naquele mesmo ano, foi trabalhar em Brasília. Em 2013, voltou para o Rio de Janeiro.
Ari Peixoto escreveu o seguinte texto para seus colegas de TV Globo:
"Como eu costumo dizer, em 1987 me casei duas vezes. Em abril, com a Globo, e cinco meses depois, com a minha mulher, Káthia. E pra quem acha que a comparação é esdrúxula, sem sentido, lembro que houve épocas em que eu ficava mais tempo na emissora do que em casa. Enfim, relações paralelas que sempre foram administráveis."
"Mas hoje, uma delas, a mais antiga, chega ao fim. Me despeço da Globo saindo pela mesma porta por onde entrei há 34 anos, a da frente. Saio com a sensação de ter atingido o objetivo a que me propus desde o primeiro dia aqui, o de trabalhar, crescer profissionalmente. Desde o início, nos vivos do Bom Dia Rio, passando pelas reportagens de rede no JN, até a correspondência internacional (América Latina e Oriente Médio)."
"Me orgulho do que fiz, porque o fiz sempre da maneira que aprendi com meu pai: com honestidade. Tive uma história vitoriosa dentro desta empresa. E, acima de tudo, com amor. Afinal, como diz o ditado, 'quem faz o que gosta não tem que trabalhar nem um dia…'. Pois foi assim comigo."
Saio agradecido porque muito do que construí, tanto no campo pessoal quando no profissional, devo à Globo. São os novos tempos. Enfim, como eu disse lá em cima, minha relação com a Globo acaba hoje. Um abraço aos que ficam, meu celular é o mesmo, até um dia."
Leia o texto de despedida de Alberto Gaspar:
"Eu sempre fui conhecido por ser um repórter capaz de resolver as matérias rapidamente. E pela minha trajetória, com certa qualidade, eu suponho. 'O Gaspar entrega'. Ou, 'é solerte', como dizia uma velha amiga que ingressou na Globo junto comigo. Mas escrever uma despedida não está sendo fácil."
"Bora tentar. Desta vez o compromisso é comigo mesmo. E seguindo o que me ensinaram, na USP e na Globo: escolher o essencial. Selecionar o realmente importante é básico, na profissão."
"Eu nunca recebi um elogio, de chefes, colegas ou de qualquer outra pessoa, sem responder: equipe é tudo. Principalmente neste negócio onde eu me meti há 39 anos. Quem me conhece sabe o valor que eu sempre dei a isso. A minha equipe, na rua. A minha turma, na redação. A minha tribo."
"Claro que é triste perder tudo isso, de repente. E não só pra mim, pelas manifestações de carinho e de certa perplexidade que tenho recebido. Eu só tinha sido dispensado uma vez, na vida, numa escolinha de inglês onde fui dar aula, aos 18 anos, e faltei duas vezes. Morava longe. Duas alunas continuaram tendo aula particular comigo. Em todos os meus outros empregos, a ruptura partiu de mim, sempre por não estar feliz com o que fazia. Nunca foi o caso, na Globo."
"Vivi a maior parte da minha vida, nela, fazendo exatamente o que eu aprendi a amar. A rua, a roça, a floresta. E as pessoas, pelo caminho. As histórias, as agruras e as alegrias delas. Um dia um célebre repórter da casa me disse: 'Você é o melhor entrevistador da TV brasileira'. Fiquei até besta. Tipo uma medalha, mesmo que exagerada."
"Outra marca registrada sempre foi saber onde uma equipe de reportagem podia se alimentar, decente e rapidamente, pra não atrasar o serviço. Na minha São Paulo ou em qualquer outro lugar por onde 'reportejei'. Diziam que eu deveria publicar um guia, depois abrir um site. Sempre preferi responder pessoalmente aos famintos telefonemas e mensagens dos amigos. Divertido, ligar o GPS mental. Mais recentemente, eu brincava que pensava em me transformar num aplicativo. Olha… É uma ideia."
"E chegamos ao ponto. A era digital trouxe muitas mudanças, e muito rápidas, na TV e na mídia, de forma geral. Que a pandemia só acelerou. Foi engraçado, fazendo matérias em casa, durante um ano e meio, ouvir certos elogios de colegas jovens, que recebiam meu material, surpresos com o desempenho do veterano. 'Como você se adaptou bem, faz bem'. Aí eu respondia: 'Experiência é tudo'. Trabalhei nas ruas e bastante, em casa, também, no exterior, onde representei orgulhosamente a TV Globo, por quatro anos. Adorei voltar ao Brasil e à Redação de São Paulo, em 2009 . E também no fim da longa quarentena, agora. Até postei no Facebook. Pena que a volta tenha durado tão pouco."
Pretendo continuar fazendo o que gosto, e há várias maneiras para isso. Só não topo qualquer negócio, no mau sentido da expressão. Isso, quem me conhece, já sabe. Tudo pode mudar. A ética da profissão que me deu tanto, na vida, não."
"Em tempo: não declinei o nome das pessoas citadas só pra não cometer injustiças com o número enorme de amigos que eu fiz, em todas áreas da Globo. E a quem agradeço imensamente. Muito mais do que experiencia, e até equipe de trabalho, amigos é que são tudo."
"Como sempre, tamo junto."
"PS: Só posso abrir exceção para minha tia Hortência, irmã do meu pai, que eu elegi, lá atrás, para ser minha telespectadora padrão, que eu gostaria de atrair, agradar, atingir, servir. Era costureira aposentada, das melhores. Certo dia, acolheu uma ensopada equipe de reportagem, no meu Ipiranga. Com toalhas, café quentinho e bolo de chocolate na boca do forno."
Procurada, a Globo não se manifestou até a publicação deste texto.