A pacificação do país. Sim, uma anistia para todos os golpistas, inclusive ele. Seria o caso de lhe perguntar: “Se o golpe tivesse sido aplicado, haveria anistia para os presos pelo novo regime e indenização para as famílias dos que foram mortos?”
Nós, jornalistas, não parecemos interessados em fazer as perguntas certas a Bolsonaro, nem a contestá-lo face a face. O que mais nos interessa é arrancar dele declarações, se possível originais e bombásticas, para esquentar o noticiário e atrair mais likes.
A minuta do golpe de dezembro de 2022 teve três ou mais versões. Em uma delas, revisada pelo próprio Bolsonaro, estava previsto o assassinato de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal.
Em nenhuma das versões falava-se em pacificar o país. Com receio de ser preso a qualquer momento, ou o mais tardar depois de julgado e condenado, Bolsonaro passou a clamar por uma anistia ampla, geral e irrestrita, e quanto mais rápida melhor. Diz
– Para pacificar o Brasil, alguém tem que ceder. Quem? Alexandre de Moraes. Em 1979, foi anistiada gente que matou, soltou bomba, sequestrou, roubou. Agora, se tivesse uma palavra do Lula ou do Alexandre no tocante à anistia, estaria tudo resolvido.
Bolsonaro esqueceu que a ditadura militar de 64 matou, soltou bomba, sequestrou, roubou e torturou à vontade. E que a anistia de 1979, que permitiu a volta dos exilados, perdoou todos os chamados “crimes de sangue” cometidos pelos militares.
Até outro dia, Bolsonaro negava que tivesse conversado com comandantes militares sobre a possibilidade de golpe. Ele jamais faria algo “fora das quatro linhas da Constituição”. Ontem, admitiu ter conversado sobre “artigos da Constituição”. Mas para quê?
Ele respondeu vagamente, sem que que lhe cobrassem precisão: “[…] para voltar a discutir o processo eleitoral. Mas a ideia logo foi abandonada”. Por que discutir o processo eleitoral se ele fôra concluído e o presidente eleito diplomado pela justiça?
A auditoria encomendada pelo Partido Liberal de Bolsonaro encontrou provas ou vestígios de fraude no processo eleitoral? Não encontrou. E a auditoria encomendada por Bolsonaro ao Ministério da Defesa encontrou provas ou vestígios? Também não.
Ora, então por que diabos, Bolsonaro não reconheceu a vitória de Lula, reuniu-se dezenas de vezes com militares e civis que defendiam um golpe de Estado e viajou em seguida aos Estados Unidos para não passar o comando do país ao seu sucessor?
De volta ao início: porque ele governou – ou desgovernou o país – só pensando em dar um golpe. Se fosse reeleito, daria um golpe por dentro corroendo as instituições e mudando as leis com a ajuda de um Congresso comprado com dinheiro.
Se derrotado no voto, permaneceria no poder com o apoio das Forças Armadas. A maioria dos 16 generais do Alto Comando do Exército foi contra o golpe. A totalidade dos generais, porém, assistiu sem se mexer à tentativa de golpe em 8 de janeiro.
Na noite daquele dia, quando um destacamento da Polícia Militar foi prender os golpistas acampados à porta do QG do Exército, o general Júlio César de Arruda, comandante do Exército, mobilizou sua tropa e não deixou. A prisão só ocorreu no dia seguinte.
Muitos dos acampados aproveitaram a madrugada para fugir – entre eles, dezenas de parentes de militares.