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11/09/2024 às 22h59min - Atualizada em 11/09/2024 às 22h59min

“Estou apavorado. Ninguém previa isso”, diz referência mundial em estudos sobre aquecimento global

Publicado por Diario do Centro do Mundo
https://www.diariodocentrodomundo.com.br
O climatologista Carlos Nobre, eferência internacional em estudos sobre aquecimento global

O renomado climatologista Carlos Nobre, conhecido internacionalmente por seus estudos sobre aquecimento global, expressou grande preocupação em recente entrevista ao Estadão. Segundo ele, a crise climática alcançou um ponto crítico antes mesmo do previsto pelos cientistas, com expectativas de que 2024 registre novos recordes de temperatura.

Nobre, que dedicou grande parte de sua carreira ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e foi diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ambos órgãos federais, destacou que as ondas de calor e as secas severas estão castigando o planeta. No Brasil, o cenário é alarmante com mais de 5 mil focos de incêndio registrados em todo o país. Enquanto o Rio Grande do Sul enfrentou inundações em maio, São Paulo sofre com alta poluição em setembro.

O climatologista também ressaltou que todos os biomas brasileiros enfrentam sérias ameaças, com alguns, como o Pantanal, correndo o risco de desaparecer nas próximas décadas. Nobre, agora membro dos Guardiões do Planeta, um grupo que reúne pesquisadores focados na catástrofe ambiental global, observa diferenças significativas entre os incêndios no Brasil e aqueles em regiões como Estados Unidos, Canadá e Europa.

Alguns destaques:

Esse é o máximo que já experimentamos. A crise explodiu. Temos a maior temperatura que o planeta experimentou em 100 mil anos. Desde que existem civilizações, há dez mil anos, nunca chegamos nesse nível, em que todos os eventos climáticos se tornaram tão intensos e muito mais frequentes. São secas em todo o mundo, tempestades, ressacas e, agora, a explosão desses incêndios.

Infelizmente, não é só aqui. No ano passado, tivemos grandes incêndios no Canadá, nos Estados Unidos, no sul da Europa. A diferença é de que lá o fogo foi causado por descargas elétricas. Aqui não: praticamente não teve nenhuma descarga elétrica. Entre 95% a 97% são causados pelo homem. A seca e as temperaturas elevadas estão diretamente relacionadas às mudanças climáticas. Isso ajuda o fogo a se propagar. Mas os incêndios são criminosos. (…)


A Amazônia queima

Sempre, nesta época do ano, enfrentamos o fenômeno da inversão térmica nas cidades muito urbanizadas, que esfriam muito no inverno durante a madrugada e no início da manhã. O ar quente que fica mais acima impede o ar frio de subir, fazendo um bloqueio. A poluição das chaminés, das indústrias, dos ônibus, dos caminhões fica presa nesse bloqueio atmosférico. Isso já traria uma enorme poluição, mesmo que não houvesse queimadas, mas quando somamos a questão meteorológica com um número recorde de queimadas, temos essa situação. (…)

Temos que mudar culturalmente, botando milhões de paulistanos para andar de máscara, como na época da pandemia. É um pouco mais complicado do que isso. Em 2023 e 2024 tivemos, sim, uma grande redução do desmatamento na Amazônia, na Mata Atlântica e até no Cerrado. Aparentemente as políticas (de combate ao desmatamento) estão sendo razoavelmente bem implementadas. Mas, então, por que as queimadas estão explodindo? Porque, tudo indica, os incêndios são criminosos. Aqui no Brasil, menos de 3% foram causados por descargas elétricas. Agora, lógico, quando alguém bota fogo na floresta quando está seco e quente, as chamas se espalham mais rápido. Por mais que o desmatamento tenha sido reduzido, os grupos que fazem desmatamento ilegal e a grilagem de terras, e que estão sendo reprimidos pelo Ibama, ICMbio e polícia, continuam agindo. (…)

O desafio é enorme. O criminoso bota fogo na mata em um minuto. O satélite só detecta o fogo quando ele já atingiu de 30 a 40 metros quadrados, ou seja, entre uma hora e meia a duas horas depois. O sistema detecta o fogo, mas mesmo que a polícia saia correndo, não conseguirá prender o criminoso, ele já não estará mais lá. Os próprios produtores agrícolas contrários às queimadas terão de se envolver, usar mais drones, tecnologia. A polícia precisa ter mais eficácia em atacar o crime organizado. E o número de brigadistas precisa aumentar. É uma guerra e temos de começar a combatê-la. (…)

Acho que o Pantanal acaba até 2070, sem falar nos outros biomas. A Amazônia, o Cerrado, a Caatinga: todos os biomas estão em risco. Se o desmatamento continuar desse jeito, a Amazônia vai perder pelo menos 50% da floresta até 2070. Para ter ideia, a Caatinga já avançou 200 mil quilômetros quadrados pelo Cerrado. Há uma região no norte da Bahia que já é tão seca que poderá ter, em futuro próximo, um clima semidesértico, com precipitações abaixo de 400 milímetros por ano. O Pantanal já reduziu 30% nos últimos 30 anos; está secando. E agora o fogo destrói sua vegetação. Se continuarmos com emissões altas e só conseguirmos zerá-las em 2050, o que já é um enorme desafio, poderemos chegar a 2100 com temperatura a 2,5ºC da média. Se isso acontecer, o Pantanal não terá mais lago. (…)

O que mais mata no mundo, muito mais do que as chuvas, são as ondas de calor. Praticamente todo o nosso País está enfrentando ondas de calor. Idosos e crianças menores de cinco anos são muito vulneráveis. São dezenas de milhões de pessoas em risco. Precisamos ter uma política de adaptação. No sul da Europa, em 2022, 65 mil pessoas morreram por conta do calor. Desde 2023, em Barcelona, quando há ondas de calor, o governo leva a população mais vulnerável para lugares com ar-condicionado, piscina, alimentos e atendimento médico, para que não morram. Nossa agricultura não é preparada para essa seca. Ou seja, todas as medidas de adaptação precisam ser muito aceleradas em todo o mundo – e no Brasil mais ainda. (…)

Continuamos aumentando as emissões. Batemos recorde em 2022, em 2023, e, tudo indica que bateremos de novo este ano. A instabilidade política provocada pelas guerras da Rússia na Ucrânia e de Israel na Faixa de Gaza está fazendo com que mundo não enfrente a emergência climática. A Rússia simplesmente ignorou a redução de emissões.

O Pantanal queima

Mesmo que começássemos a reduzir amanhã e conseguíssemos zerar as emissões líquidas até 2050, nós, basicamente, já atingimos 1,5ºC acima da média (registrada no século 19, no período anterior à Revolução Industrial). Foram dois anos seguidos com essa temperatura. Se tivermos mais um ano, a ciência talvez já possa dizer que alcançamos a marca de 1,5ºC. Mesmo que aceleremos as reduções, o aumento da temperatura média do planeta vai ultrapassar os 2ºC, podendo até chegar a 2,5ºC em 2050. Mesmo que começássemos a remover 5 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano da atmosfera, lá por volta de 2100 voltaríamos a um aumento de 1,5ºC. (…)

 
 
 


Mesmo que começássemos a reduzir amanhã e conseguíssemos zerar as emissões líquidas até 2050, nós, basicamente, já atingimos 1,5ºC acima da média (registrada no século 19, no período anterior à Revolução Industrial). Foram dois anos seguidos com essa temperatura. Se tivermos mais um ano, a ciência talvez já possa dizer que alcançamos a marca de 1,5ºC. Mesmo que aceleremos as reduções, o aumento da temperatura média do planeta vai ultrapassar os 2ºC, podendo até chegar a 2,5ºC em 2050. Mesmo que começássemos a remover 5 bilhões de toneladas de gás carbônico por ano da atmosfera, lá por volta de 2100 voltaríamos a um aumento de 1,5ºC. (…)

O objetivo era não deixar o aumento passar de 1,5ºC e, a partir de 2050, já começar a remover, no mínimo, 5 bilhões de toneladas de CO2 por ano da atmosfera, para chegar em 2100 com aumento de 1ºC. Mas infelizmente já estamos atingindo 1,5ºC. Estou apavorado. Ninguém previa isso; é muito rápido.


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