Por Pierpaolo Cruz Bottini
O vazamento de conversas entre assessores do ministro Alexandre de Moraes tem gerado as controvérsias de costume no mundo jurídico e político, a exemplo de tantos outros temas em um país de polarização impulsionada por palavras de ordem e análises superficiais no mundo das redes sociais.
Dentre elas, uma merece atenção: a equiparação dessas mensagens àquelas divulgadas pela “vaza jato”, trocadas entre procuradores e o juiz de uma bem conhecida operação em Curitiba. Por mais que todas sejam conversas entre agentes públicos, em ambientes sensíveis de investigação, são coisas distintas, em qualidade e quantidade, e essas diferenças devem ser destacadas.
O ministro Alexandre de Moraes preside um inquérito policial que investiga a propagação de desinformação com o objetivo de suprimir o regime democrático e incentivar a tomada violenta do poder político. Nessa qualidade, ele tem o poder de juntar aos autos materiais e relatórios importantes para as investigações, além de determinar medidas para assegurar a integridade das provas e a permanência dos investigados no país.
Pode pedir, independente de provocação, dados e informações (CPP, artigo 3º-B, X), decretar o sequestro de bens (CPP, artigo 127), a produção antecipada de provas (CPP, artigo 156, I), exames periciais (CPP, artigo 168), buscas e apreensões (CPP, artigo 242) e outras medidas. Goste-se ou não dessas atribuições, elas estão previstas em lei, e seu exercício não implica arbítrio.
As mensagens apresentadas na última terça-feira (14/8), ainda que possam pecar pela informalidade das expressões, indicam conversas de assessor desse ministro com auxiliar do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), presidido pelo mesmo ministro, para cumprir determinações e orientações dentro das atribuições mencionadas. Revelam servidores organizando informações públicas acerca de atos investigados e verificando se medidas cautelares determinadas foram cumpridas.
O objeto das conversas da “lava jato” é bastante diferente. Apontam agentes cruzando a fronteira da legalidade. Há mensagens em que procuradores debatem o uso de dados sigilosos, sob reserva de jurisdição, e a divulgação de elementos de investigações para a imprensa, com o objetivo de desgastar réus perante a opinião pública ou emparedar aqueles que poderiam reformar as decisões judiciais de interesse dos agentes da operação.
Há conversas sobre “soltar os podres” e “tocar o terror” contra inimigos na polícia federal, “ir queimando aos poucos” pessoas contrárias às estratégias da força-tarefa, e sobre formas de forçar colaborações por meio da divulgação de dados em segredo de Justiça. “Meus vazamentos objetivam sempre com que pensem que as investigações são inevitáveis e incentivar colaboração (sic)”, disse Deltan Dallagnol em uma passagem que deixa clara a diferença entre sua conduta e aquela divulgada na terça-feira no âmbito do STF.
Nos diálogos de Curitiba, há conversas entre procuradores e juiz sobre timing de denúncias, de cautelares, e a respeito da qualidade ou dos defeitos de peças, revelando uma relação controversa e perigosa, incomparável com os pedidos de relatórios feitos pelo assessor do ministro ao Tribunal Superior Eleitoral, órgão também do Poder Judiciário, presidido pelo mesmo magistrado, sem a qualidade de parte interessada na questão.
Nas conversas vazadas na terça-feira, não existem debates sobre deturpação de fatos. Na “lava jato”, há diálogos sobre formas de ocultar teses “capengas” com táticas de marketing judicial, como a distribuição de releases para a imprensa, para definir manchetes e dar o tom da cobertura da imprensa. O slide sobre a culpa de Lula foi a ponta visível de um iceberg composto de frases de efeito e bordões, usados para encobrir a ausência de fatos e fundamentos em muitas das decisões.
O Supremo e seus ministros, como qualquer órgão e agentes públicos, podem e devem ser criticados e escrutinados, mas comparar as mensagens em questão com aquelas vazadas no âmbito da “lava jato” é ignorar sua substancial diferença de conteúdo, qualidade jurídica e gravidade política. Jogar todas na mesma vala comum, seja para colorir as conversas do STF com um tom acima da paleta, seja para amenizar a gravidade do material descoberto na ‘vaza jato’, não passa por qualquer teste de razoabilidade.