BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - O governo Lula apresentou nesta segunda-feira (4) no Palácio do Planalto as linhas gerais de um projeto de lei que regulamenta o trabalho de motoristas de aplicativos.
A proposta prevê contribuição ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), auxílio-maternidade e pagamento mínimo por hora de trabalho no valor de R$ 32,09 (que corresponde a um salário mínimo, hoje em R$ 1.412).
A proposta de regulamentação da atividade de motorista de aplicativo, antecipada pela Folha de S.Paulo, precisa de aval do Congresso Nacional para começar a valer.
A ideia do governo, inicialmente, era também criar uma regulamentação para quem trabalha com aplicativos de entrega de produtos. No entanto, o Executivo não conseguiu chegar a um acordo com as empresas do segmento.
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, disse que o modelo de negócios das empresas de entrega de mercadorias é "altamente explorador" e, por isso, uma regulamentação da atividade não caberia nos seus modelos de negócio.
"iFood e demais empresas diziam que o padrão dessa negociação não cabia no modelo de negócios delas", disse. Não cabe, acrescentou Marinho, "porque é modelo altamente explorador".
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também aproveitou para criticar indiretamente as empresas de entrega de mercadorias, afirmando que é preciso fazê-las sentar à mesa de negociação.
"É preciso lembrar, [senador] Jaques Wagner, que o dono do iFood é da Bahia e, portanto, como todo bom baiano, a gente tem que convencê-lo a entender que é prudente ele sentar na mesa de negociação para a gente fazer um bom e grande acordo", afirmou o presidente.
"Vamos encher tanto o saco que o iFood vai ter que negociar", disse. Procurado, o iFood não respondeu até a publicação deste texto.
Marinho espera que o avanço do projeto para os motoristas de aplicativo faça com que trabalhadores e empresas de entrega de mercadorias voltem a negociar.
"Ainda restam aplicativos das entregas, dos motoboys, motociclistas, que ainda não chegamos lá e talvez seja categoria ainda mais sofrida", disse.
A proposta reconhece os motoristas de aplicativos como autônomos e cria a categoria de trabalhador autônomo por plataforma.
Em relação à contribuição ao INSS, as empresas irão contribuir com 20% sobre a remuneração mínima do profissional, que irá corresponder a 25% da renda bruta. O trabalhador terá desconto de 7,5% sobre a renda bruta como contribuição à Previdência.
A contribuição dará direito a benefícios previdenciários como auxílio-maternidade, previsto no projeto e aposentadoria, entre outros.
O governo calcula que a regulamentação poderá ter um impacto de R$ 280 milhões na arrecadação.
Além de fixar um mínimo, a proposta também estabelece uma remuneração da hora de trabalho no valor de R$ 32,09. Esse valor corresponde ao período da chamada "hora em rota" ou hora trabalhada, que começa a contar a partir do momento em que o profissional aceita o pedido de corrida até deixar o passageiro.
Saiu derrotada, portanto, a possibilidade de pagamento pela "hora logada", que começa quando o trabalhador dá entrada no aplicativo.
O texto do projeto de lei também prevê que a jornada de trabalho em uma mesma plataforma não poderá ultrapassar 12 horas diárias. Os trabalhadores devem realizar pelo menos 8 horas diárias para ter acesso ao piso nacional da categoria.
Caso aprovada pelo Congresso Nacional, os trabalhadores também receberão um valor de R$ 24,07 para cada hora efetivamente trabalhada. Esse montante será destinado para cobrir os custos com a atividade profissional, como celular, combustível, manutenção do veículo, seguro, impostos, entre outros.
Esse valor, no entanto, será pago em caráter indenizatório e não compõe a remuneração do trabalhador.
O texto elaborado pelo governo também prevê o pagamento de um auxílio-maternidade. As mulheres que trabalham com aplicativo, portanto, terão acesso aos direitos previdenciários previstos para os trabalhadores segurados do INSS.
A proposta de legislação do Brasil vai ao encontro das regulamentações que estão sendo feitas em alguns países do mundo, em busca da proteção desses trabalhadores e da arrecadação de impostos.
Chile, Espanha e Uruguai, por exemplo, fizeram reformas para incluir os motoristas de aplicativos na legislação trabalhista.
Marinho criticou a visão de que o governo recuou ao desistir de enquadrar os trabalhadores de aplicativos na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Afirmou que o presidente Lula havia feito um compromisso durante a campanha eleitoral de 2022 de regulamentar essas atividades, mas que "em nenhum momento dissemos que vai ser pela CLT ou não".
"Ocorre que é preciso construir um momento, observando o que está acontecendo na economia e nas relações de trabalho e observar que era preciso também um processo para essa regulamentação, um diálogo com as empresas, trabalhadores e empresários", afirmou o ministro;
Marinho ainda acrescentou que o projeto de lei cria uma "categoria diferenciada, autônomos com direito".
"[O que havia] era uma liberdade falsa, porque os trabalhadores estavam sendo escravizados por longas jornadas e baixos salários", afirmou
O Brasil tinha em 2022 cerca de 780 mil pessoas que têm como trabalho principal o transporte por meio de aplicativos, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Lula, por sua vez, respondeu aos gritos dos militantes, que pediram durante o evento uma linha de crédito para a compra e manutenção dos automóveis.
"Eu acho que daqui a pouco a gente vai ter que pensar como a gente vai fazer, [se é] discutir com os bancos, como é que a gente vai fazer para [... ] ter uma linha de financiamento para vocês trocarem o carro, porque o passageiro também não gosta de carro velho", afirmou o presidente, sem dar detalhes.
TRABALHO AOS DOMINGOS
Lula também comentou a polêmica envolvendo o trabalho aos domingos para as atividades de comércio. Disse que o seu governo não é contra a possibilidade, mas defendeu um "tratamento diferenciado" para que esses trabalhadores não precisem passar todos os sábados e domingos longe de seus familiares.
O presidente também afirmou que já comprou "várias brigas" para que os comerciários "não fossem transformados em escravos outra vez.
"Não sou contra o trabalhador do comércio trabalhar de domingo, até porque sei que muita gente, muito deputado que está aqui, muito senador da República, muita gente só pode ir fazer compra no fim de semana, ou depois das 19h, 20h. Tem gente que não pode ir de dia", afirmou.
Lula então citou o caso de um de seus filhos, que ele contou que ficava ocupado com games a maior parte do dia e saia para fazer suas compras à noite.