Por Ricardo Brito e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) - Ajudante de ordens do então presidente Jair Bolsonaro, o tenente coronel Mauro Cid corre o risco de perder os benefícios da delação premiada firmada com a Polícia Federal após a instituição ter constatado lacunas na colaboração durante as investigações sobre a tentativa de golpe de Estado, disseram à Reuters duas fontes da PF com conhecimento do caso.
Um dos buracos na delação, segundo as fontes, é que Cid não relatou ter oferecido 100 mil reais a um militar para ajudar na ida de pessoas à Brasília para protestar contra o resultado das eleições, em novembro de 2022. A PF descobriu a oferta de recursos quando teve acesso à troca de mensagens de Cid com o militar.
Segundo a polícia, há indícios de que esses recursos poderiam ser usados também para custear o emprego de uma força militar especial para dar um golpe contra o então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva de forma a manter Bolsonaro no poder.
Outro fato não revelado pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, conforme as duas fontes, foi o vídeo, encontrado pela PF nos arquivos de Cid, de uma reunião ministerial em julho de 2022 em que Bolsonaro cobrou que seus auxiliares diretos agissem antes das eleições de outubro e propôs elaborar uma nota conjunta com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em uma tentativa para angariar credibilidade a questionamentos infundados sobre fraude nas urnas eletrônicas.
: PF investiga episódio omitido por Mauro Cid em delação (Dailymotion)
Polícia Federal quer saber sobre episódio omitido por Mauro Cid em delação
"Tem muita coisa que apareceu na investigação que o Cid não tinha apresentado e vamos atrás disso", disse essa fonte.
"Se ele não esclarecer esses pontos e outros, o colaborador poderá sim perder os benefícios", reforçou outra fonte do alto comando da PF, ao acrescentar que, em breve, Cid será convocado a depor para explicar as "várias" lacunas do caso.
Procurado, o advogado do ex-ajudante de ordens, Cézar Bittencourt, não respondeu de imediato a pedido de comentário. Em entrevista à Folha de S.Paulo após a operação da PF na semana passada, o defensor disse que foi erro da PF não ter perguntado tudo que queria saber a Cid.
"Quem tem de perguntar são as autoridades. Se você quer saber, eles fazem um rol de perguntas, centenas delas. Por horas e horas, lá, dando depoimentos. Eu vou lembrar? Vou ter que lembrar de detalhes de uma coisa? Quem tem que lembrar é quem investiga. Chama-se investigação. Eles investigam. Se alguém errou, falhou, foram eles”, disse.
Com relação ao vídeo da reunião de Bolsonaro com minstros, uma das fontes da PF disse que houve acesso ao material a partir de um email vinculado a Cid. A corporação, conforme a fonte, não sabe se foi ele próprio quem acessou ou se alguém se valeu da senha dele.
Uma versão editada do vídeo com a supressão de trechos polêmicos da fala de Bolsonaro e auxiliares chegou a ser veiculada nas redes sociais e foi usada por bolsonaristas para minimizar as declarações do então presidente.
O ex-auxiliar de Bolsonaro foi preso em maio do ano passado durante uma operação da PF que investigava fraudes na carteira de vacinação do ex-presidente e de aliados. Após prestar três depoimentos, Cid fechou um acordo de delação com a polícia, homologado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes em setembro passado.
O militar foi então colocado em liberdade provisória por Moraes, que impôs uma série de condicionantes, como uso de tornozeleira eletrônica e se apresentar semanalmente à Justiça.
Ao final do processo, se a colaboração de Cid for julgada adequada, ele poderá ter uma redução ou até mesmo extinção da pena, mas o benefício dependerá da avaliação da Justiça, com base na avaliação dos investigadores, de quanto sua contribuição ajudou de fato.
Segundo uma das fontes da PF, a delação de Cid ajudou, mas não foi essencial, para a operação deflagrada pela PF neste mês que cumpriu mandados de busca e apreensão contra Bolsonaro e quatro ex-ministros de seu governo por tentativa de golpe de Estado.