Foi graças a um despacho do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que a Polícia Federal pôde fazer na manhã desta quinta-feira (25) uma megaoperação contra o ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem e outros 7 agentes envolvidos naquilo que a PF, a PGR e o STF (representado por Moraes) caracterizam como uma organização criminosa.
Utilizando o software israelense FirstMile, promovido pela Cognyte, os agentes - todos levados para a Abin por Ramagem durante o governo Bolsonaro - montaram uma organização paralela dentro da agência, que não passava pelo crivo do Departamento de Operações para utilizar o software e espionar mais de 30 mil cidadãos brasileiros.
Entre os pontos altos da trama esteve uma operação ilegal que buscavam reunir "informações" que associassem o próprio Moraes e Gilmar Mendes, ambos ministros do STF, além de deputados federais, ao PCC. O grupo também espionou o personal trainer de Jair Renan, filho '04' de Jair Bolsonaro, para incriminá-lo em processo contra o jovem membro do clã por favorecer mineradoras. Ainda tem destaque a trama para atrapalhar as investigações em torno do esquema de rachadinhas de Flávio Bolsonaro, o príncipe do clã, e as investigações sobre o assassinato de Marielle Franco mediante espionagem da procuradora que cuidava do caso.
A maioria das revelações do despacho, bem como as autorizações para operações de busca e apreensão nos endereços dos alvos e as posteriores medidas cautelares impostas a eles já estão amplamente divulgadas na imprensa. A novidade, que ainda não saiu, é que apesar de Moraes não ter afastado Alexandre Ramagem do seu atual cargo de deputado federal, ele tampouco rejeita a hipótese em um futuro próximo, a depender de como as investigações se desenrolem.
Confira alguns trechos do despacho a seguir.
A investigação apura a utilização do sistema de inteligência First Mile pela ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) no monitoramento de dispositivos móveis, sem a necessidade de interferência e/ou ciência das operadoras de telefonia e sem a necessária autorização judicial.
Segundo informado pela Polícia Federal, o referido sistema, fornecido pela empresa Cognyte Brasil S.A., é capaz de identificar a Estação Rádio Base (ERB) indicando a localização de qualquer celular monitorado.
A Polícia Federal identificou a existência de uma organização criminosa, nos moldes do art. 2º da Lei nº 12.850/2013, com intuito de monitorar ilegalmente pessoas e autoridades públicas, em violação ao art. 10 da Lei 9.296/96 (com redação dada pela Lei nº 13.869/2019), invadindo aparelhos e computadores, além da infraestrutura de telefonia, incidindo no art. 154-A do Código Penal (com redação dada pela Lei 12.737/2012) e apontou a existência de diversos núcleos distintos dentro da organização criminosa, todos responsáveis pela execução das infrações penais.
A atuação do NÚCLEO-EVENTO PORTARIA 157 caracteriza outra evidência de instrumentalização da ABIN, pois identificou anotações cujo conteúdo remete à tentativa de associação de Deputados Federais – , bem como Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, à organização criminosa conhecida como PCC (Primeiro Comando da Capital), conforme se verifica nas provas produzidas (fls. 135-147 do Apenso 1):
Identificou-se a OPERAÇÃO “PORTARIA 157” cujo objeto, em suma, seria a obtenção de informações sobra a atuação de ONG, conforme entendimento da ABIN, eventualmente vinculada ao PCC. Não se adentrando ao mérito da questionável legitimidade da referida operação de inteligência.
A questionável motivação inicial estampada nos instrumentos preliminares não é convergente com o real intento das diligências realizadas na Operação “PORTARIA 157”. Ao contrário, as ações apresentaram viés político de grave ordem representando mais um evento de instrumentalização da Agência Brasileira de Inteligência – ABIN.
Nesta trilha, a análise preliminar do material apreendido revela gravidade ímpar nesta “operação de inteligência” posto que foram realizadas diligências valorando como “risco” julgamento do E. STF na ADPF 579, inclusive realizando ações no próprio Congresso Nacional como forma de criar fato desapegado da realidade com a tentativa de associar parlamentares federais e Ministros do STF à organização criminosa.
A investigação aponta para o fato de que a alta direção da ABIN, exercida por policiais federais cedidos ao órgão durante a gestão do então Diretor-Geral, ALEXANDRE RAMAGEM RODRIGUES, teria instrumentalizado a mais alta agência de inteligência brasileira para fins ilícitos de monitoramento de alvos de interesse político, bem como de autoridades públicas, sem a necessária autorização judicial.
Como bem salientado no parecer da PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA: “No que tange ao uso do FirstMile, apurou-se que parcela significativa da efetivação das consultas era imposta a servidores recém-nomeados da ABIN, e não era precedida de formalidade como “ordens de busca” nem por “planos operacionais”, que estariam sujeitos à prévia aprovação pela Diretoria-Geral. Eram feitas, portanto, no mais das vezes, sem ordens formais, prevenindo-se rastro material das atividade ilícitas. O resultado dos serviços do FirstMile monitoramento de dispositivos de telefones móveis para se acompanhar, em tempo real, a localização do alvo investigado e se registrar o histórico dos seus percursos podia ensejar a produção de dossiês com informações sigilosas, destinados a uso político e midiático e à obtenção de proveito pessoal”.
A Polícia Federal destaca episódios que elucidam a hipótese delitiva, como na conduta de PAULO MAGNO (gestor do sistema FIRST MILE), que teria sido flagrado pilotando um drone nas proximidades da residência do então Governador do Ceará CAMILO SANTANA, comprovando a total ilicitude das condutas.
Os policiais federais destacados, sob a direção de ALEXANDRE RAMAGEM, utilizaram das ferramentas e serviços da ABIN para serviços e contrainteligência ilícitos e para interferir em diversas investigações da Polícia Federal, como por exemplo, para tentar fazer prova a favor de RENAN BOLSONARO, filho do então Presidente JAIR BOLSONARO (fls. 120-127 do Apenso 1):
No ano de 2021, foi instaurado pela Polícia Federal inquérito Policial Federal para apurar suposto tráfico de influência perpetrado pelo sr. RENAN BOLSONARO. Entre as circunstâncias, havia a premissa do recebimento pelo investigado de veículo elétrico para beneficiar empresários do ramo de exploração minerária (…) A diligência se deu como o objetivo de produzir provas d a posse de determinado veículo por parte de um dos principais investigados - sócio de Renan Bolsonaro. O policial federal foi flagrado filmando o investigado, ao ponto deste registrar ocorrência policial por ameaça. A coordenadora-geral do Gabinete ao tempo dos fatos esclareceu o evento, bem como as relações de subordinação dos policiais federais, ao tempo, cedidos à ABIN.
A utilização da ABIN para fins ilícitos é, novamente, apontada pela Polícia Federal e confirmada na investigação quando demonstra a preparação de relatórios para defesa do Senador FLÁVIO BOLSONARO, sob responsabilidade de MARCELO BORMEVET, que ocupava o posto de chefe do Centro de Inteligência Nacional – CIN, como bem destacado pela PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA:
“Ainda, segundo a representação policial (fls. 126/132), a publicação do site ‘The intercept Brasil’ I – exclusivo: a Abin paralela dos Bolsonaro”, divulgada em 12.12.2022, atribuiu a Marcelo Bormevet, policial federal coordenador de fração do Centro de Inteligência Nacional, a responsabilidade pela confecção de relatórios para subsidiar a defesa do Senador Flávio Bolsonaro em caso que ficou conhecido como “Rachadinhas”, com o que o órgão central de inteligência teria sido empregado para finalidades alheias às institucionais”.
A Polícia Federal aponta que ALEXANDRE RAMAGEM utilizou de sua posição de Diretor-Geral da ABIN para incentivar e encobrir a utilização indevida da ferramenta FIRST MILE, bem como – aponta a natureza gravíssima – da sua posição de parlamentar para requisitar informações sobre as investigações subsequentes.
Em que pese a gravidade das condutas do investigado, ALEXANDRE RAMAGEM, bem analisada pela Polícia Federal, nesse momento da investigação não se vislumbra a atual necessidade e adequação de afastamento de suas funções . Essa hipótese poderá ser reanalisada se o investigado voltar a utilizar suas funções para interferir na produção probatória ou no curso das investigações. Como bem apontado pelo PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA (…).
Entretanto, o fato do investigado integrar a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência da Câmara dos Deputado, e ter assinado requerimentos de informações relacionados aos fatos sob os quais pende a presente investigação, aponta suposta prática de condutas ilícitas no sentido de tentar interferir na produção probatória. Assim sendo, eventuais respostas dos órgãos competentes – PGR, PF, CGU, ABIN e demais órgãos estatais – a requerimentos do parlamentar deverão ser submetidos à essa relatoria no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em face do sigilo das investigações.