Sem citar nominalmente o ex-mandatário, Gilmar afirmou na sessão desta quinta-feira (28) que o STF suportou, "durante um par de anos, as ameaças de um populismo autoritário desprovido de qualquer decoro democrático". Ele disse que quem confirma suas afirmações são os fatos.
"As sórdidas ofensas e mentiras disparadas contra os membros desta Casa, não raro covardemente endereçadas a parentes de cada um de nós, as inúmeras tentativas de interferência no resultado das últimas eleições gerais, as conspirações elucubradas para prender membros do STF, os atos de terrorismo consubstanciados em explosões algumas realmente efetuadas (de linhas de transmissão de energia) outras tentadas (como a do Aeroporto de Brasília por meio de um caminhão tanque)", afirmou.
Gilmar disse ainda que a cerimônia da posse de Barroso, "torna palpável a certeza de que o STF sobreviveu".
"Por tudo isso que se viu e se viveu, a presente cerimônia simboliza mais que a continuidade de uma linhagem sucessória institucional; ela assume um colorido novo."
O ministro decano também reforçou por diversas vezes os ataques contra o processo eleitoral nas últimas eleições e disse que "minar a confiança no nosso sistema eleitoral é propriamente minar a Constituição de 1988".
"Esse retrocesso não pode ser admitido. A Justiça Eleitoral não foi uma invenção de magistrados ávidos por protagonismo, foi, isso sim, a solução construída pela classe política brasileira para superar o estado de absoluta falta de confiança no sistema eleitoral da Primeira República", afirmou.
Gilmar também elogiou atos das gestões anteriores do presidente Lula (PT) e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), ao falar do sucesso do sistema eleitoral brasileiro, como Bolsa Família e Plano Real.
"Tal como as duas medidas que mais retiraram pessoas da pobreza extrema, o Plano Real e o Bolsa-Família. Não à toa, políticas protagonizadas por dois grandes estadistas: o presidente Fernando Henrique Cardoso e o presidente Luís Inácio Lula da Silva", disse.
Em 2016, Gilmar suspendeu a posse de Lula como ministro da Casa Civil do governo Dilma Rousseff. Na ocasião, ele determinou ainda que as investigações da Operação Lava Jato sobre o petista ficassem sob a condução do ex-juiz Sergio Moro, então responsável pelas apurações do esquema de corrupção da Petrobras no Paraná.
Ele disse na época que a posse de Lula como ministro configuraria "uma fraude à Constituição". Isso porque, segundo o ministro, havia indícios de que Dilma indicou o petista para o governo com o objetivo de que as investigações contra ele fossem examinadas pelo Supremo e não mais por Moro.
Já em 2017 e 2018, Barroso e Gilmar protagonizaram brigas com ofensas no plenário. Em uma delas, o novo presidente do STF chegou a dizer que o colega era uma mistura do mal com o atraso, que desmoralizava a corte e sugeriu que Gilmar agia por interesses estranhos à Justiça. "O senhor é a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia", afirmou na ocasião.
Gilmar rebateu, dizendo que Barroso deveria fechar "seu escritório de advocacia". Barroso já foi sócio de um escritório de advocacia, do qual saiu quando assumiu a cadeira no STF. Em carta a então presidente da corte, Cármen Lúcia, ele disse que jamais atuou em processo patrocinado pelo escritório ou seus sócios.
"Não sou advogado de bandidos internacionais", disse Gilmar a Barroso em 2017, em uma referência ao italiano Cesare Battisti, para quem o colega havia advogado antes de virar ministro.
O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Beto Simonetti, destacou em seu discurso o trabalho da classe durante as eleições de 2022.
Ele disse que a OAB foi a primeira instituição civil do país a declarar a lisura das eleições de 2022, a validade da apuração e a necessidade do respeito à vontade popular, "naquele que era um delicado momento da história brasileira".
"Graças a muito trabalho, inclusive do STF e da advocacia, a Constituição triunfou sobre forças obscuras, nostálgicas do autoritarismo, que pretendiam implodir o Estado Democrático de Direito no Brasil", disse.
Também durante a posse, a procuradora-geral da República interina, Elizeta Ramos, elogiou Barroso em seu discurso, ressaltando sua "vocação humanista" e a sua experiência nas altas cortes, seu preparo acadêmico e sua "firme e gentil liderança já provada em outras ocasiões".
Elizeta Ramos evitou citar especificamente ameaças à democracia. No entanto, afirmou que a PGR seguirá com uma atuação socialmente efetiva.
"Sendo uma instituição essencial a Justiça, o 'parquet' brasileiro posta-se ao lado de suas excelências, na defesa dos direitos sociais e individuais disponíveis, da ordem jurídica e da democracia", afirmou.
Novamente sem citar riscos, a procuradora-geral interina também exaltou o trabalho da ministra Rosa Weber por ser a "mulher a frente da defesa do estado democrático de direito", afirmou.
Há dez anos no Supremo, Barroso substitui na presidência da corte a ministra Rosa Weber. Ela completa 75 anos no dia 2 de outubro e se aposenta compulsoriamente.
O novo presidente tinha dirigido o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em meio a escalada dos ataques do ex-presidente Bolsonaro contra as urnas eletrônicas.
Natural de Vassouras, no Rio de Janeiro, ele foi indicado pela então presidente Dilma Rousseff (PT) e passou a integrar o Supremo em junho de 2013, ocupando o lugar vago deixado por Carlos Ayres Britto. Antes disso, ele já vinha sendo incluído na lista de cotados ao tribunal.
Barroso também tem em seu currículo trajetória acadêmica. É professor titular de direito constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), mesma instituição onde concluiu sua própria graduação e o doutorado.