“O descondenado confessou que saiu da Presidência com 11 containers”, diz um dos conteúdos compartilhados no Facebook, que usa um trecho de uma entrevista de Lula com a frase “Só roubou 11 containers” sobreposta às imagens.
Publicações semelhantes circulam também no Instagram, no Kwai, no Telegram e no TikTok.
O conteúdo circula em meio a suspeitas de que pessoas do entorno de Jair Bolsonaro teriam agido para vender joias e outros presentes recebidos de países estrangeiros em um suposto esquema para enriquecer ilicitamente o ex-presidente (1, 2).
No vídeo viralizado, Lula é visto segurando um microfone e dizendo: “Você sabe o que é que é alguém sair da Presidência com 11 contêineres de acervo sem ter onde pôr? Você sabe o que é sair com cadeira, com trono, com papel, com tudo o que você possa imaginar? Porque se somar todos os presidentes da história desse país, desde Floriano Peixoto, eu fui o que mais ganhei presente. Porque viajei mais, porque trabalhei mais, porque viajei o mundo, eu tenho até trono da África. O que é que eu faço com isso?”.
Entrevista de março de 2016
Buscas reversas por fragmentos do vídeo localizaram a entrevista original de Lula, concedida em 4 de março de 2016 após a 24ª fase da Operação Lava Jato.
A data, no caso, é relevante porque somente em agosto de 2016 — meses depois da entrevista de Lula — o Tribunal de Contas da União determinou a incorporação de todos os documentos e presentes recebidos pelos presidentes da República ao patrimônio da União. As exceções restringiam-se a itens “de natureza personalíssima ou de consumo próprio”. A decisão pode ser vista no Acórdão 2255/2016.
Até essa decisão, presentes recebidos por presidentes da República eram regidos, sobretudo, pelo Decreto nº 4.344/2002 — que, por sua vez, era uma regulamentação da legislação original sobre o tema, a Lei 8.394/1991.
Entretanto, o inciso II do decreto nº 4.344/2022 permitia a interpretação de que somente “documentos bibliográficos e museológicos recebidos em cerimônias de troca de presentes, nas audiências com chefes de Estado e de Governo por ocasião das ‘Visitas Oficiais’ ou ‘Viagens de Estado’ do presidente da República ao exterior” seriam patrimônio da União. Ou seja, bens recebidos fora de cerimônias de “trocas de presentes” poderiam ser considerados parte do acervo pessoal do chefe de Estado, de acordo com o entendimento vigente até então.
Foi esse ponto que o acórdão do TCU, em 2016, considerou uma “interpretação equivocada”.
Lula não cumprimenta apoiadores e pede desculpas
Nesse mesmo acórdão, o TCU determinava que, no prazo de 120 dias, fosse identificada a localização de 568 presentes recebidos por Lula de chefes de Estado ou Governo, em audiências no exterior ou em solo nacional.