Por oito votos a dois, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional ato da Polícia Federal em 2021, em meio ao governo Jair Bolsonaro, para restringir o acesso a todos os procedimentos cadastrados nos sistemas da corporação.
O caso levou a Corte a fixar a tese de que a restrição de publicidade a um ato de qualquer dos Poderes deve ser motivada ‘objetiva, específica e formalmente’. “São nulos os atos públicos que imponha, genericamente e sem fundamentação válida e específica, impeditivo do direito fundamental à informação.”
Sete ministros acompanharam o voto da relatora, Cármen Lúcia. “A República não admite catacumbas. A democracia não se compadece com segredos”, afirmou a ministra, repetindo ponderação feita quando o Supremo declarou inconstitucional a produção de dossiês sobre cidadãos ‘antifascistas’.
Seguiram tal entendimento os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. Restaram vencidos os ministros ministro André Mendonça e Kassio Nunes Marques.
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O voto divergente no caso foi apresentado por Mendonça - ex-ministro da Justiça de Bolsonaro alçado ao cargo no STF um dia depois da edição do ato contestado na ação.
Mendonça defendeu que pode ser imposto sigilo como ‘regra geral’ no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Polícia Federal por ‘veicular informações relacionadas à atividade de inteligência, cuja divulgação ou acesso irrestrito possa comprometer investigação ou fiscalização em andamento’.
O ministro argumentou que o SEI é de uso interno e que a restrição ‘não obstaculiza o acesso à informação, por qualquer interessado, quando, no caso concreto, se constate a ausência de sensibilidade ou prejudicialidade à atividade finalística exercida pela Polícia Federal’.
O STF analisou uma ação em que o PSOL questionava ofício enviado em julho de 2021 pelo então presidente da Comissão Nacional do Sistema Eletrônico de Informações da Polícia Federal - órgão do Ministério da Justiça. O documento prevê que todas as informações e documentos na plataforma sejam restritos ou sigilosos.
A legenda evocou os princípios da transparência e da publicidade, apontando desvio de finalidade na edição do ato. O PSOL considera que a justificativa para a medida, de ‘compartimentação de informações sensíveis e possibilidade de lançamentos equivocados’, é ‘lacônica e genérica para uma restrição de direito fundamental’.
Em seu voto, Cármen Lúcia destacou que prevalece em uma República o princípio da publicidade e do acesso aos documentos públicos de todos os poderes, ‘sendo o segredo exceção somente legítima se devida e suficientemente justificada’.
Segundo a ministra, ‘a excepcionalidade de imposição do sigilo deve ser objetiva, formal e especificamente justificada’.
Ela frisou que informações referentes à administração pública, ‘compreendida por ações institucionais e pela atuação dos agentes estatais, são sempre de interesse público’. “O Estado põe-se a serviço dos cidadãos – e somente por isso se justifica–, e como tal deve satisfação de seus atos”, afirmou a ministra.
Cármen Lúcia rebateu posicionamento do Ministério da Justiça de que a restrição seria possível enquanto ‘perdurasse a condição de documento preparatório dos expedientes ou informações neles contidas’.
“O controle de legalidade e finalidade dos atos administrativos somente se faz possível com transparência na gestão pública. Esse controle não se restringe ao ato perfeito e acabado, abrangendo o processo administrativo que o precede e os motivos apontados como determinantes para adoção de determinada conduta pela administração pública”, alerta a ministra.