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27/07/2023 às 14h52min - Atualizada em 27/07/2023 às 14h52min

“Em manutenção”: Com fundo milionário, reduto do Centrão em Alagoas deixa moradores sem remédio

Reduto de Arthur Lira, cidade em Alagoas recebeu milhões em emendas, mas deixou sistema de saúde sem exames e medicamentos

Natália Portinari
https://www.metropoles.com
Reprodução/Google

Roteiro (AL) – Os pouco mais de 6 mil habitantes de Roteiro (AL) contam com três postos de saúde, uma máquina de ultrassom e verba milionária na prefeitura enviada por meio de emendas parlamentares de Arthur Lira (PP), presidente da Câmara dos Deputados. Nada disso, porém, impediu a cidade de ficar por meses sem estoque de remédios básicos, como dipirona, antibióticos e anti-inflamatórios, e sem conseguir fazer exames.

No papel, tudo parece bem. O município é um de vários que, de 2019 para cá, aumentaram os números declarados ao SUS, o que permite às cidades receber mais dinheiro do governo federal. No ano passado, o Fundo Municipal de Saúde de Roteiro recebeu R$ 3,8 milhões do governo. Desde 2019, foram R$ 13,8 milhões em recursos da União.

O montante deveria ser suficiente para a saúde pública de Roteiro ser menos precária. Para efeito de comparação, a vizinha Barra de São Miguel recebeu menos, R$ 11,8 milhões, e tem uma população 24% maior.

Uma parte do valor, R$ 2,5 milhões, foi enviada por Lira, em 2021 e 2022, em emendas de relator, modalidade inventada na gestão Jair Bolsonaro e usada como moeda de troca na relação política com o Congresso. Lira foi o único deputado a enviar verbas nessa modalidade para o fundo de saúde do município, de acordo com o sistema de transparência do Congresso.

A pequena cidade, próxima ao litoral e cercada por canaviais, é administrada por Alysson Reis, do PP, aliado de Lira. Até poucos anos atrás, havia esgoto a céu aberto nas principais ruas. Hoje, o município está mais desenvolvido, tem uma escolaridade alta na comparação com outras cidades do estado e uma população economicamente ativa dentro da média brasileira.

Em todo o Brasil, nos últimos anos, prefeitos usaram os repasses milionários em emendas de relator para desafogar os custos com materiais de enfermagem, combustível, conta de luz, água, telefone, entre outros. Assim, puderam usar os repasses obrigatórios do Ministério da Saúde para arcar com remédios e despesas com pessoal no sistema de saúde.

No caso de Roteiro, não é possível obter qualquer explicação sobre o destino dos R$ 13,8 milhões em verbas federais. O Portal de Transparência do município informa estar “em manutenção” e os últimos contratos publicados no site da prefeitura são de 2020. A coluna esteve na cidade e pediu informações na Secretaria de Saúde, que disse não ter controle sobre as despesas; na prefeitura, os dados também não foram fornecidos.

Posto de saúde do SUS em Roteiro (AL)

Posto de saúde do SUS em Roteiro (AL)


Posto de saúde do SUS em Roteiro: emendas milionárias, números altos nos dados do SUS, mas precariedade no atendimento
 

Se os pagamentos da cidade não são transparentes, é possível garantir que pelo menos um não ocorreu: a compra de remédios. A cidade integra o consórcio de prefeituras de Alagoas para compras de medicamentos e insumos de saúde, o Conisul, que recebe três vezes por ano encomendas dos municípios para medicamentos a preços abaixo dos de mercado.

Na última leva de pedidos feitos ao Conisul, no fim de 2022 e no começo de 2023, os servidores tentaram, sem sucesso, fazer compras. A prefeitura recebeu os pedidos dos funcionários do SUS, mas não emitiu a ordem de pagamento, alegando não haver recursos naquele momento.

Por conta disso, a cidade ficou sem remédios durante vários meses no primeiro semestre. O problema foi sanado só agora, na segunda leva de pedidos do Conisul de 2023, que acaba de acontecer.

Não era o único problema. Funcionários da Saúde local relataram que, há cerca de um ano, falta material para fazer exames de sangue, urina e fezes. Servidores lembraram que chegaram a fazer partos sem antes realizar uma simples análise de urina das mulheres grávidas, por falta de material. A escassez, segundo pessoas ouvidas pela reportagem, também está sendo resolvida só agora, com compras recentes.

A Prefeitura de Roteiro não informou à coluna exatamente quanto tempo cada estoque ficou esgotado, mas, nas farmácias da cidade e nos postos de saúde, a informação é que houve de três a seis meses de falta de dipirona, antibióticos e anti-inflamatórios, entre o fim de 2022 e o momento atual. A dipirona, para febre, ficou em falta por cerca de três meses.

A aposentada Maria José dos Santos Felisdoro, de 70 anos, teve que pedir à neta que comprasse os ansiolíticos que precisa tomar. “Uso remédio para dormir. No posto não tinha. Foi R$ 100 e tantos, lá em Maceió”, contou. Usuária do sistema de saúde, costuma viajar para fora da cidade para fazer exames e cirurgias e acaba usando pouco os postos de Roteiro. “O prefeito não está se incomodando com nada. A cidade está abandonada”, acrescentou seu marido, Antonio Felisdoro. Os dois moram na cidade há 38 anos.


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