Um levantamento feito por técnicos da CPI da Pandemia que apoiam o trabalho do relator Renan Calheiros elaborou um levantamento com o que consideram ser 15 mentiras do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
Intitulado “Réplicas às afirmações falsas do ex-ministro Eduardo Pazuello”, o documento deverá ser anexado no relatório final da CPI e depois remetido ao Ministério Público. A ideia é que só com base nele seja pedido indiciamento por crime de falso testemunho.
No início, o documento cita que “ficou evidente que a missão do depoente nesta CPI não foi esclarecer a população ou colaborar para encontrarmos a verdade, mas, sim, eximir o Presidente da República de qualquer responsabilidade pela condução temerária pelo Governo Federal das ações de combate à pandemia”. Depois lista o que considera “afirmações falsas em 15 temas”.
Procurado pela CNN, o advogado de Pazuello, Zozer Hardman, não quis comentar o documento de Renan.
Veja a íntegra do documento:
Depois do depoimento iniciado ontem (19) nesta Comissão pelo ex-ministro Eduardo Pazuello, diversos órgãos de imprensa e a equipe de apoio à CPi analisaram as declarações do ex-ministro e as compararam com fatos, documentos e outras declarações públicas dadas ao longo dos últimos doze meses.
Ficou evidente que a missão do depoente nesta CPI não foi esclarecer a população ou colaborar para encontrarmos a verdade, mas, sim, eximir o Presidente da República de qualquer responsabildiade pela condução temerária pelo Governo Federal das ações de combate à pandemia. Embora tenha sido claramente treinado para esse objetivo, seu depoimento não se sustenta, e qualquer pessoa que tenha acompanhado suas declarações ao longo da pandemia e ouviu o que disse ontem a esta comissão chega à mesma conclusão: o depoente estava, sem nenhum pudor, mentindo para proteger outros culpados.
Essa atitude não é só criminosa por constituir falso testemunho e embaraçar os trabalhos da CPI, em violação ao art. 4º da Lei 1579, de 1952, mas também é incompatível com o que se esperaria de um oficial general, que deveria dedicar a vida à defesa do Brasil, mas desrespeita a memória de mais de 440 mil vítimas e a dor de suas famílias. Missão cumprida, ministro. Organizamos aqui alguns pontos do depoimento, para que fique claro o espetáculo lamentável a que o Brasil foi submetido na sessão de ontem:
“Em hipótese alguma. O Presidente nunca me deu ordens diretas para nada” (...)“Em nenhum momento o presidente da República me desautorizou ou me orientou a fazer diferente de qualquer coisa que eu estava fazendo”
Todos vimos o vídeo divulgado em 22 de outubro de 2020, em que V. Exa. faloudurante um encontro com ele: ‘É simples assim: um manda e outro obedece’.
Aqui, tenta justificar que o que se fala em redes sociais são falas políticas, que não correspondiam a sua ação. Se essa desculpa pudesse prevalecer, seria impossível a esta CPI avaliar as ações do Ministério e do Governo, que são o principal objeto desta CPI, pois as declarações públicas não serviriam de nada e, como V.Exa. respondeu várias vezes ontem, não havia produção de documentos.
“Essa plataforma (TrateCOV), ela não foi distribuída aos médicos (...) O aplicativo – o aplicativo, não, a plataforma, não é um aplicativo – nunca entrou em operação”
No dia 11 de janeiro, durante um evento em Manaus, o Ministério da Saúde lançou o aplicativo TrateCOV. O lançamento da plataforma foi noticiado na TV Brasil.
V. Exa. defendeu o chamado tratamento precoce naquela ocasião e utilizou o termo “aplicativo” nas redes sociais. Aqui, veio com outra desculpa, de que o software foi roubado e divulgado por um terceiro.
Que interesse poderia ter um criminoso em divulgar gratuitamente um aplicativo desenvolvido pelo Ministério da Saúde em defesa da cloroquina?
Independentemente disso, não houve resposta sobre como um aplicativo que indica cloroquina poderia ajudar a evitar casos e mortes por covid, nem sobre o motivo pelo qual a população de Manaus deveria servir de cobaia para essa experiência.
“A decisão do STF em abril de 2020 limitou ainda mais a atuação do governo federal nessas ações. Assim, não há possibilidade de o Ministério da Saúde interferir na execução das ações dos estados na saúde sem usurpar as competências dos estados e municípios.”
Em nenhum momento o Supremo proibiu ou limitou ações federais. A decisão na Ação de Direta de Inconstitucionalidade nº 6341 permite que estados e municípios tomem suas medidas, mas não impede que o Ministério da Saúde tome as suas. O STF diz que o entendimento foi reafirmado pelos ministros em diversas ocasiões.
Perguntamos aqui, ontem, que medidas o Ministério teria sido impedido de tomar em razão da decisão do Supremo, e não veio resposta. Mas todos sabemos que o STF impediu, com aquela decisão, foi que o Presidente sabotasse as medidas de fechamento do comércio e redução de circulação, que tantas vidas salvou.
“Hoje o Brasil figura entre os países que mais imunizaram no mundo. Ficamos atrás apenas de Estados Unidos, China e Índia”
A informação visa a confundir. Não faz sentido comparar números absolutos. O que importa é imunização percentual, ou seja, quantos por cento da população receberam a vacina. Além disso, começamos a vacinar no final de janeiro, quando poderíamos ter começado em dezembro do ano passado, como tantos países conseguiram.
Que sentido faz comparar o Brasil, com seus 210 milhões de habitantes, com nossa vizinha Guiana, com seus menos de 800 mil? O Brasil, mesmo não estando entre os mais pobres do mundo, aparece atrás de mais de 80 países se for considerado o percentual da população que recebeu ao menos uma dose de vacina. Nosso ritmo é um dos mais lentos do mundo.
“A cloroquina é um antiviral e um anti-inflamatório conhecido pelo Brasil”
A cloroquina não é um antiviral nem um anti-inflamatório, e sim um antimalárico, utilizado no combate ao plasmódio da malária, que é um protozoário.
“Cloroquina foi usada para o tratamento da zika”.
Nunca houve administração de cloroquina para pacientes contaminados pelo zika vírus. Iniciou-se uma pesquisa em ratos, com resultados que não se replicaram em humanos. Por isso, a pesquisa foi interrompida. Além disso, o zika vírus não é semelhante ao coronavírus. A afirmação servia para confundir, para tentar passar uma ideia de versatilidade à cloroquina e, assim, tentar justificar eu uso para outras doenças.
“O Governo Bolsonaro não tinha como comprar a vacina da Pfizer sem a autorização do Congresso”
V. Exa. e o Presidente reclamavam publicamente das cláusulas da Pfizer, mas não citavam a necessidade de uma lei. Ao contrário, retiraram esse dispositivo do anteprojeto da MP 1026. V. Exa. disse ontem que não sabe por que o Governo fez isso e que não foi decisão do Ministério. Ainda assim, afirma que a Presidência não tinha ingerência sobre sua gestão. A alteração legislativa veio de um projeto do Senado. O Governo, que tinha a iniciativa legislativa, nada fez.
"Ah, mas sem a lei isso trazia insegurança jurídica como disse a CGU e a AGU". Bom, os pareces são de 03 de março de 2021, justamente um dia após a aprovação da lei no Congresso.
A verdade é que V. Exa. se recusou a dizer por que dificultou a compra da vacina da Pfizer, por que não respondeu à comunicação da empresa, por que não agiu de forma previdente, e por que não protegeu a população brasileira.
“Nunca o Presidente da República mandou eu desfazer qualquer contrato, qualquer acordo com o Butantan. Nem por uma vez. (...) O Presidente da República fala também como agente político. Quando ele recebe uma posição de um agente político de São Paulo, ele se posiciona como agente político também, daqui para lá. Nunca houve a ordem” (...) “Uma postagem na internet não é uma ordem”.
Em outubro, V. Exa. anunciou um protocolo de intenção de compra de 46 milhões de doses da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a Sinovac. Um dia depois, porém, o Presidente afirmou que o Governo Federal não ia adquirir "vacina da China":
"Ele [Pazuello] tem um protocolo de intenções, já mandei cancelar se ele assinou. Já mandei cancelar. O presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade. Até porque estaria comprando uma vacina que ninguém está interessado por ela, a não ser nós".
V. Exa. disse que essa declaração não representava uma ordem de cancelamento, mas somente uma “posição política” do Presidente contra o governador de São Paulo e que uma postagem da internet não é uma ordem. Mas não foi uma postagem. Foram diversas declarações do Presidente à imprensa brasileira e um vídeo de V.Exa. e o Presidente, lado a lado, que evidenciam a ordem dada.
O Presidente do Butantan, Dimas Covas, antes mesmo do depoimento de V. Exa., fez questão de enviar ofício para a esta Casa, afirmando que, após a contraordem do Presidente da República, em outubro de 2020, houve uma completa paralisação do processo de negociação, só sendo realmente assinado em 7 de janeiro de 2021:
Tratamento precoce
"Assim não há possibilidade do Ministério da Saúde interferir na execução das ações de estado da saúde, sem usurpar as competências dos Estados e Municípios"
V. Exa. falou, no dia 11 de janeiro de 2021, sobre o tratamento precoce, e confirmou para o presidente a utilização em Manaus. Eis a transcrição do diálogo:
“Pazuello - Ouvi o Davi falar aqui sobre tratamento precoce, senhores, senhoras, não existe outra saída.
Presidente - Você entrou com o tratamento precoce em Manaus, não entrou?
Pazzuelo - Já está funcionando com a nova gestão.”
“Quando a gente observa os mapas, a gente vê que a White Martins [empresa fornecedora de oxigênio] começa a consumir seus estoques já no fim de dezembro. Então ela tem um consumo, uma demanda, e começa a entrar no negativo, e esse estoque vai se encerrar no dia 13 [de janeiro], quando acontece uma queda de 20% na demanda e no consumo do estado. No dia 15, já voltou a ser positivo o estoque de Manaus”
"Não alertaram [antes], apenas no dia 10 à noite, pessoalmente. Eu acredito que as medidas possíveis a partir do dia 10 foram executadas, todas executadas".
Faltou oxigênio na cidade de Manaus por mais de 20 dias. Ofício que a Advocacia-Geral da União enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) em janeiro afirma que o Governo Federal sabia do “iminente colapso do sistema de saúde” do Amazonas dez dias antes de a crise estourar e faltar oxigênio para pacientes no estado.
Além disso, a Dra. Mayra Pinheiro declarou à Polícia Federal que foi V. Exa. quem a informou da falta de oxigênio em Manaus, no dia 8 de janeiro, o que seria impossível para quem só tomou conhecimento em 10 de janeiro. Evidente que alguém está mentindo.
Pazuello afirmou que optou por 10% em vez de 50% da oferta de vacinas disponibilizadas pelo consorcio da OMS Covax Facility.
Segundo Pazuello, "estar presente no consórcio era mais importante" do que a aquisição de um número elevado de imunizantes no primeiro momento, e que seria possível comprar mais vacinas dentro do consórcio numa etapa posterior, pois não haveria restrições quanto a isso”.
A informação não condiz com a realidade. O ex-Ministro recusou-se a declinar quemtomou a decisão e seus fundamentos técnicos. O consórcio era capitaneado pela OMS, praticamente todos os países já haviam aderido e o Brasil, naquele momento, não tinha perspectiva de outras contratações que justificasse a reserva de valor tão pequeno de doses da vacina. Na falta da resposta, a posição contrária à OMS, que marcava a política dos Estados Unidos, seguida pelo Brasil, que ficou clara no depoimento do ex-Ministro, parece ter sido a verdadeira razão.
O Ministro Pazuello afirmou, mas não comprovou, que todos os órgãos de controle interno e externo não recomendavam a assinatura do contrato de compra de vacinas com a Pfizer. No entanto, o TCU acabou de publicar nota de esclarecimento à imprensa dizendo “que nenhum de seus ministros se posicionaram de forma contrária à contratação da empresa Pfizer (...) nem desaconselhou sua imediata contratação”.
V. Exa. afirmou desconhecer que a produção de cloroquina para Covid-19 pelo Exército tenha passado pelo Ministério da Saúde. No entanto, o Ministério da Defesa informou textualmente que foi o Ministério da Saúde que determinou a produção de cloroquina pelo Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército.
Eis o trecho do documento do Exército:
Pazuello afirmou que nunca sofreu pressões para autorizar o uso da cloroquina no SUS, o que aconteceu com a Nota Informativa nº 17, de 2021, do Ministério da Saúde.
O Ministro Teich deixou o Ministério por discordar do Presidente quanto ao uso da cloroquina. O Ministro Mandetta também disse ter sofrido pressões no mesmo sentido. Posteriormente, foi noticiado que a Dra. Ludhimila Hajjar não teria assumido o Ministério da Saúde por não haver convergência técnica entre ela e o Presidente. O próprio Ministro Queiroga, que atualmente ocupa a pasta, teve extremo receio de contrariar o Presidente durante seu depoimento.
Contraditoriamente, o depoente quis convencer a Comissão de que ele, justamente o único que não tinha qualquer formação médica, foi o único que não sofreuqualquer pressão, orientação ou determinações do Presidente da República.Essa declaração é absolutamente inverossímil considerando os outros depoimentos e as condições de sua chegada ao Ministério.
O Ministério da Saúde tem um Plano Nacional de Contingência. Após questionamentos do TCU sobre a execução pífia desse plano, o Ministério decide alterá-lo em vez de cumpri-lo: trocou garantir por subsidiar, garantir por apoiar; estabelecer logísticas por elaborar pautas de distribuição.
Em outras palavras, o que se depreende do relato do TCU é que o Ministério, ao ser questionado acerca de suas omissões em relação às ações previstas em seus próprios normativos, em vez de ser proativo e agir, promoveu a modificação dos normativos, reduzindo o escopo e/ou a abrangência de suas atribuições. Esse procedimento está sendo objeto de investigação pelo próprio TCU.
O depoente não explicou por que foi feita alteração do normativo após a notificação do TCU, tendo ficado claro que o movimento foi para driblar as ordens da autoridade de controle. Evidentemente o TCU não se deixou enganar e já está investigando a manobra.”