A prova de que o ministro não disse tudo está em dados oficiais do próprio GSI aos quais o Metrópoles teve acesso. O número correto é o quádruplo do que ele informou: foram, na verdade, oito voos.
O Ofício 463/2019 foi enviado por Augusto Heleno no dia 4 de outubro de 2019 à Câmara, em resposta a um requerimento de informação feito pelo então deputado federal Marcelo Calero sobre o uso de dois helicópteros oficiais para levar parentes do então presidente ao casamento de seu filho 03, o também deputado federal Eduardo Bolsonaro. A festa ocorreu no Rio de Janeiro, no dia 25 de maio daquele ano.
Heleno respondeu aos questionamentos de Calero citando normas que permitiam que as aeronaves fossem empregadas. Ao final, afirmou que, “mesmo com essa prerrogativa, o transporte de membros da família do senhor presidente não tem sido rotineiro, tendo ocorrido, até a presente data, somente dois apoios de deslocamentos da primeira-dama em aeronave da FAB, no trecho Brasília-Rio de Janeiro-Brasília”.
As planilhas oficiais do GSI, porém, mostram que o número não estava correto (veja galeria abaixo). Até a data do documento assinado pelo general, Michelle Bolsonaro já havia feito ao menos sete voos classificados na categoria “DISP PR” – é quando as aeronaves estão à disposição para serviços de interesse da Presidência.
Em fevereiro daquele ano, houve voos de Michelle nos dias 22 e 24 entre Brasília e Rio. A finalidade oficial que consta das planilhas é vaga: “apoio primeira-dama”. Na internet, há registros da participação de Michelle em um culto na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, no período. Em outro fim de semana, já em maio, ela usou jatos da FAB nos dias 10 e 12, no mesmo trecho. Novamente, esteve na igreja, sem sinais de compromissos oficiais.
Em junho, ela foi para o Rio no dia 28. Voltou para Brasília em 1º de julho. Na ocasião, participou do evento Vida Vitoriosa, da Igreja Batista. O sétimo voo foi feito um dia antes do casamento de Eduardo Bolsonaro. Em 24 de maio, ela saiu de Brasília às 8 horas e pousou às 9h30 na Base Aérea do Galeão, no Rio. Já o oitavo voo levou ao Rio Jair Renan Bolsonaro, o filho 04 do então presidente, que queria visitar a mãe no interior do estado.
“Nada tenho a explicar”, diz general
Na resposta enviada ao Congresso, o general Heleno afirmou ainda que as viagens foram feitas “sem o dispêndio adicional de recursos públicos”, dando a entender que Michelle aproveitou aeronaves que já estariam, por razões oficiais, indo para o mesmo destino que ela. Os chamados voos “DISP PR”, no entanto, não estão nessa categoria.
O ofício enviado ao Congresso pelo general, apesar de mencionar textualmente “dois apoios de deslocamentos”, é impreciso ao não esclarecer se os dois apoios se referem a dois voos simplesmente ou a duas viagens de ida e volta entre o Rio e Brasília, o que significaria quatro voos. Ainda assim, mesmo que estivesse se referindo a dois deslocamentos completos, com as aeronaves indo ao Rio e voltando para Brasília, Heleno passou longe do número real.
Procurado, o ex-ministro limitou-se a responder que o transporte dos familiares do ex-presidente atendeu “ao aspecto sigilo e segurança” e que não tem o que explicar. “Não estou mais no GSI, não tenho mais acesso à documentação e nada tenho a explicar”, disse Augusto Heleno.
Como o Metrópoles mostrou na última quarta-feira, listas de passageiros mantidas sob sigilo e um conjunto de mensagens internas mostram que, durante o governo Bolsonaro, a então família presidencial usou aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para participar de eventos privados, como cultos religiosos, e para transportar amigos, parentes, pastores e até uma cachorra de estimação.
Com base em dados oficiais do GSI relativos aos quatro anos em que Bolsonaro esteve no Palácio do Planalto, a reportagem mapeou mais de 70 viagens da família — todas feitas sem que o próprio Bolsonaro estivesse a bordo.
Para além de informações sobre essas viagens, como detalhes dos deslocamentos e as listas detalhadas dos passageiros convidados, mensagens de um grupo de WhatsApp usado como canal oficial de comunicação pelos funcionários do GSI encarregados de providenciar os jatinhos revelam que os pedidos eram tratados como verdadeiras ordens — tudo sob a coordenação de altos oficiais das Forças Armadas que chefiavam o setor.