O novo marco fiscal, aprovado pela Câmara nesta terça-feira (23), marca uma nova etapa para as regras de controle de gastos públicos no país. Desde a promulgação da constituição Federal, em 1988, o Brasil passou por três principais regramentos fiscais.
O pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da USP, Pedro Romero Marques, lembra que a elaboração de regras fiscais é uma preocupação contemporânea, apesar de ser um debate antigo.
“Desde os anos 1990 começaram a constituir vários arcabouços, muito porque teve o esforço da Europa em congregar os países do bloco (a União Europeia) e era preciso de um acordo de regra de resultado primário para todos e um limite de dívida, esse é o padrão até hoje”, explica.
Sendo assim, segundo especialistas, o Brasil também seguiu nesta esteira e, aproveitando o contexto da constituinte, o país iniciou um caminho de aprimoramento institucional definindo também mecanismos para controle das despesas.
Regra de ouro
A regra de ouro foi instituída pela Constituição Federal de 1988. Ela proíbe que o governo emita divida para pagar despesas correntes, ou seja, aquelas básicas previstas para o funcionamento da máquina pública.
Dessa forma, a ideia é que o endividamento público sirva apenas para financiar novos investimentos, que proporcionem proveitos no longo prazo como, por exemplo, investimentos em infraestrutura e educação.
Um tópico importante da regra é a obrigação de que toda nova despesa corrente criada deverá ter uma fonte própria de arrecadação tributária. Estabelece-se assim, um vínculo entre os custos de manutenção do Estado e sua capacidade arrecadatória.
Apesar de a regra ser “intelectualmente atraente”, ela nunca foi restritiva no Brasil, segundo o economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel de Barros.
“Ela não foi efetiva para garantir a solvência fiscal. Em teoria, ela diz que o governo só pode se endividar para fazer investimentos, ou seja, a sociedade toparia se endividar para fazer investimento que vai gerar um efeito multiplicador para a sociedade no médio e longo prazo. Porém, na prática, por uma série de razões e pelo o próprio desenho da regra, isso não se sucedeu”, diz.
Lei de Responsabilidade Fiscal
Em 2000, com a estabilização macroeconômica oriunda do Plano Real (1994), surge a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), com o objetivo de garantir um maior controle de gastos públicos.
A LRF, além de outros instrumentos, estabeleceu a uma regra de resultado primário, ou seja, ela determina que anualmente o governo deve estipular uma meta de resultado primário na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano anterior e gerir o orçamento para cumpri-la.
A lei também prevê o estabelecimento de limites para o montante da dívida consolidada da União, estados e municípios. Contudo, posteriormente, resoluções estabeleceram tais limites somente para estados e municípios, e não para a União.
O ponto é considerado importante, uma vez que as atuais propostas de regras fiscais para o Brasil visam regulamentar uma meta de dívida em nível nacional.
Em entrevista exclusiva à CNN, José Roberto Afonso, um dos criadores da LRF e professor do IDP, considerou a lei como um “sucesso enorme para criar uma cultura e para reduzir a dívida”, naqueles casos dos governos que se submeteram a suas imposições, os estados e os municípios.
Gabriel de Barros considera a LRF como uma “lei de primeira geração” e muito moderna para a época em que foi concebida, no entanto, segundo ele, são necessárias mudanças para adequar o projeto ao contexto atual brasileiro.
“Ela era muito moderna, mas o que aconteceu foi que os estados, municípios e governo federal aprenderam a burlar a lei. Regramentos fiscais só ficam de pé se houver boa vontade, um desejo efetivo de cumprimento por parte da economia política”, avalia o economista.
O economista cita que estados e municípios começaram a retirar gastos terceirizados para maquiar a despesa em comparação com as receitas, além de antecipações de receitas que “inchavam” a base de arrecadação e ajudavam a suavizar o indicador de endividamento.
“Tivemos várias contabilidades criativas que foram chanceladas por vários tribunais de contas estaduais e municipais, isso é um problema sistêmico. Esse é um problema que se arrasta e que está ligado à governança, foi minando a efetividade da LRF”.
Teto de Gastos
O teto dos gastos foi criado pela Emenda Constitucional 95, de dezembro de 2016, e passou a vigorar em 2017.
Ele criou um limite de crescimento para o orçamento da União: o total a ser gasto pelo governo e os órgãos ligados a ele a cada ano só pode aumentar o equivalente à inflação do ano anterior.
Esse reajuste deve ser feito pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulado em 12 meses até junho do ano precedente. A regra tem validade de 20 anos, podendo ser revista a partir do 10º ano, isto é, em 2027.
Na prática, o mecanismo congela os gastos em termos reais por esses 20 anos – como o crescimento é limitado à inflação, ele apenas recompõe os aumentos de preços, mas não muda a quantidade total de bens e serviços pagos.
Com o tempo, a tendência é que os gastos públicos, uma vez congelados em termos reais, fiquem menores em relação ao PIB, que deve continuar crescendo.
Os gastos contemplados incluem os orçamentos de cada um dos ministérios, o Judiciário federal, o Congresso, os salários de servidores como professores, profissionais da saúde e outros e também os benefícios sociais, como aposentadorias, abono salarial e seguro-desemprego. Investimentos, como os de infraestrutura, também estão na conta.
O economista e pesquisador associado do FGV-IBRE, Fábio Giambiagi, relembra que entre os anos de 2014 a 2016, o Brasil aumentou significativamente os gastos públicos, enquanto ainda se beneficiava de um aumento de receitas, contudo, quando a receita caiu, os gastos continuaram subindo até o momento em que um grande déficit foi provocado.
“O governo Temer diz que é preciso de uma sinalização poderosa de controle de gastos. O regime do teto impunha uma trajetória complicada para despesas. Disso resulta a reflexão de que era necessário mudar a regra, mas isso não significa não ter limites”, diz Giambiagi.
O novo marco
A nova regra fiscal prevê que — para os exercícios de 2024 a 2027 — os gastos do governo não podem ter crescimento acima de 70% do crescimento da receita.
Em momentos de avanço excepcional da arrecadação, porém, a despesa primária não poderá ter crescimento acima de 2,5% ao ano. Caso haja retração extraordinária, a despesa primária adotará outro gatilho e não poderá crescer mais que 0,6% ao ano.
O plano ainda estabelece metas de superávit primário. A ideia é de que o governo tenha déficit primário zero em 2024, superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e de 1% em 2026.
Se a meta de superávit primário não for atingida e o resultado ficar fora da variação tolerável, haverá obrigação de redução do crescimento de despesas para 50% do crescimento da receita no ano seguinte.