O governo federal anunciará, ainda este mês, a retomada de uma série de ações com vistas a promover a redistribuição de terras improdutivas. O anúncio foi feito neste sábado (13) pelo ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, em uma feira que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realiza em São Paulo.
“Agora em maio, o presidente Lula vai anunciar o programa de reforma agrária. A reforma agrária vai voltar para o Brasil. [Vamos] distribuir terras e recuperar terras que estejam improdutivas, destinando-as à reforma agrária”, disse Teixeira, acrescentando que, além de distribuir terras, o governo fornecerá crédito e assistência técnica aos assentados, estimulando a formação de cooperativas e agroindústrias.
Acompanhado por representantes de vários órgãos federais e por lideranças de movimentos sociais, o ministro elogiou a atuação do MST, afirmando que o movimento “produz comida saudável e igualdade social” em um país que, segundo ele, deixou de colher alimentos para a população a fim de produzir commodities agrícolas vendidas a outros países.
“Diminuiu a produção de arroz, feijão, mandioca, hortaliças, legumes e de frutas”, elencou Teixeira, que atribui ao movimento sem-terra a expertise [competência] em produzir alimentos sem o uso de agrotóxicos que podem contribuir para a segurança alimentar nacional.
“O MST será muito importante para diminuir a desigualdade social no país e para incluir o povo na terra, produzindo comida em um país que perdeu terras para a produção de alimentos [em um contexto em que] ampliou a produção de soja e de milho”, ressaltou o ministro do Desenvolvimento Agrário, acrescentando que, ao mesmo tempo em que o governo federal planeja estimular os pequenos produtores agrícolas, não vai mexer com o agronegócio. “Isso é bom e não vamos mexer nisso.”
Paulo Teixeira também voltou a criticar a criação, pela Câmara dos Deputados, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o MST e as invasões de terras no país.
“Querem investigar o MST? Querem criar uma CPI para isso? Acho que vão achar coisas interessantes. Vão ver que, ali [nos acampamentos e assentamentos do movimento], tem suco de uva que não tem trabalho escravo. Vão encontrar produtos que não têm agrotóxicos. Vão encontrar soja não transgênica”, afirmou, referindo-se a alguns dos produtos produzidos pelo MST, maior produtor de arroz orgânico da América Latina, segundo o Instituto Riograndense de Arroz (Irga), autarquia subordinada à secretaria estadual de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul.
À defesa do MST, Teixeira acrescentou uma crítica ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto - a quem membros do governo, entre eles o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atribuem a responsabilidade pela manutenção da taxa de juros. Atualmente, a taxa de juros básicos da economia, a Selic, está em 13,75%.
“Se [quem quer investigar o MST] quiser descobrir um homem que está criando uma balbúrdia, uma baderna neste país, eles vão achar o Roberto Campos Neto, que está fazendo o maior juro da face da terra e levando muitos brasileiros à extrema pobreza e à miséria”, opinou.
Principal alvo das críticas à manutenção da elevada taxa de juros - feitas não só por membros do governo federal, mas também de muitos economistas e entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) - Campos Neto tem justificado a política de juros implementada pelo Banco Central alegando que a definição da taxa não se limita à inflação, incluindo elementos que, na avaliação dele, ainda requerem cautela, como a dívida bruta do governo.
“É a dívida alta que faz os juros serem altos”, disse o presidente do BC no último dia 25, ao participar de uma audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, onde defendeu que os critérios técnicos prevalecem em relação a políticos nas decisões do BC.
Membro da coordenação nacional do MST, Débora Nunes destacou que a quarta edição da feira nacional simboliza um novo momento na luta pela reforma agrária no Brasil. “Em determinado momento, o MST, que caminha para [completar] 40 anos, compreendeu que a reforma agrária clássica não mais aconteceria no nosso país pelo nível e estágio de desenvolvimento do capital na agricultura”, comentou Débora, explicando que isso exigiu do MST “a capacidade de se reinventar”, propondo a distribuição de terras improdutivas a trabalhadores rurais como resposta a problemas que afetam toda a sociedade.
“A não realização da reforma agrária produziu uma série de problemas estruturais para o povo brasileiro, vivenciados no campo e nas cidades. O modelo hegemônico de capital na agricultura, expresso no agronegócio, se reproduz nos moldes do que foi o Brasil colônia, no tripé da formação do latifúndio. Somos o país que mais concentra terras no mundo, coexistindo com mais de 4 milhões de sem terra", afirmou.
Além do latifúndio, diz Débora Nunes, "esse modelo se estruturou na produção de monoculturas, priorizando a produção de commodities para exportação que, na maioria das vezes, vai servir de ração na Europa e nos países desenvolvidos, sem levar em conta a necessidade de produção de comida e de alimentos saudáveis para os brasileiros". "E há ainda um terceiro aspecto, que é o trabalho escravo”, ponderou Débora, afirmando que os trabalhadores que integram o MST se propõem a produzir alimentos saudáveis por meio da agroecologia, preservando os recursos naturais e a biodiversidade do campo. “Nossa proposta de reforma agrária popular compreende que precisamos zelar, preservar, os bens comuns para podermos seguir existindo neste planeta."
Matéria alterada às 19h09 para acrescentar declarações de Débora Nunes.