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06/03/2023 às 09h18min - Atualizada em 06/03/2023 às 09h18min

STJ não liberou porte de arma para traficantes; vídeo distorce decisão sobre absorção de crimes

Outra mentira circulando

AFP Brasil
https://br.noticias.yahoo.com
Captura de tela feita em 1º de março de 2023 de uma publicação no Facebook ( .)

A Justiça brasileira não concedeu autorização de porte de arma para traficantes, ao contrário do que alega uma gravação visualizada centenas de vezes desde fevereiro de 2023. Na verdade, os conteúdos distorcem uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que aplicou o princípio de “presunção da consunção” ou “absorção” em casos de tráfico de drogas. Assim, o porte de arma foi considerado um agravante do crime e não um delito isolado. À AFP, o STJ informou que o vídeo “distorce o conteúdo de uma decisão da corte de 2012, que vem sendo reiterada em diversos julgamentos”.

“Tribunal superior cria jurisprudência, PRESOS POR TRÁFICO, no momento da prisão forem FLAGRADOS PORTANDO ARMAS (qualquer calibre). Não responderão por porte e posse ILEGAL de arma,somente responderão pelo crime de tráfico, pois ESTÃO USANDO a ARMA na ‘ATIVIDADE’”, diz uma das publicações compartilhadas no Facebook e no Twitter.

O conteúdo também foi enviado ao WhatsApp do AFP Checamos, para onde os usuários podem encaminhar temas vistos nas redes sociais, se duvidarem de sua veracidade.

As mensagens são acompanhadas por um vídeo de pouco mais de dois minutos, publicado no YouTube em 12 de novembro de 2021, no qual um homem afirma que, após decisão do Tribunal Superior, traficantes não seriam punidos pelo porte ilegal de armas.

“Houve o entendimento de que se o bandido, traficante, criminoso se utilizar da sua arma ilegal para garantir a traficância, para garantir o crime que ele vem praticando, que isso não é crime. Ele responde pelo tráfico de drogas e não responde também pelo porte de arma e pelo porte ilegal de armas”, diz o homem em um trecho da gravação.

“Vejam o absurdo”, conclui o homem, “tribunais superiores garantindo ao traficante, a esse, sim, o porte de arma desde que ele utilize essa arma, lógico, para atividade ilícita de tráfico de drogas. É isso, pessoal. Sextou!”.

Nos comentários do vídeo, usuários solicitam a fonte da informação, mas não há respostas.

Absorção do crime

Uma busca por palavras-chave mostra que o vídeo foi publicado originalmente no YouTube após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre um caso de tráfico de drogas em que uma arma foi apreendida, em 26 de outubro de 2021. Na ação, a corte aplicou o entendimento de 2012 sobre a absorção do crime de porte ou posse ilegal de arma em casos de flagrante de tráfico.

No entanto, isso não significa que o “porte de arma para traficantes está liberado”, como alegam as publicações.

Na decisão de 2012, o relator do Habeas Corpus chamou atenção para o fato de o crime de porte de armas se sobrepor ao agravante previsto na lei sobre o tráfico de drogas, que determina que a transgressão é mais grave se for cometida com emprego de arma de fogo.

No documento, ele concluiu que, nesses casos, o agravante deveria se sobressair.

“Desde a edição da Lei nº 11.343/2006 vem se discutindo acerca da prevalência do crime autônomo da lei de armas ou da causa de aumento de pena prevista no art. 40 daquele diploma legal”, afirma em um trecho. “A absorção do crime de porte ou posse ilegal de arma pelo delito de tráfico de drogas, em detrimento do concurso material, deve ocorrer, a meu sentir, quando o uso da arma está ligado diretamente ao comércio ilícito de entorpecentes, ou seja, para assegurar o sucesso da mercancia ilícita”, diz na sequência.

Essa decisão existe para que a pessoa não seja julgada duas vezes pelo mesmo crime, explicou a advogada Tamíres Ferreira, especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Nesse caso, o porte de arma foi considerado um crime meio ao crime de tráfico de drogas, e não um crime isolado”, afirmou.

Maíra Fernandes, professora convidada da FGV Direito Rio, deu uma explicação semelhante.

“A consunção [ou absorção] se aplica quando um mesmo fato pode ser abarcado por mais de um tipo penal, como uma forma de solucionar o conflito aparente entre normas penais. É, portanto, uma análise técnica: se um crime é meio para realização de outro crime-fim, não pode ser o sujeito que os praticou responsabilizado por ambos os crimes.”

Fernandes deu outros exemplos em que isso também pode acontecer: “Aplica-se a consunção quando um sujeito invade uma casa para realizar um furto. Nesse caso, ele não responderá por dois delitos, invasão de domicílio e furto. Ele vai responder apenas pelo crime de furto em sua forma qualificada”.

Um outro exemplo de aplicação do princípio da consunção pode ser observado na Súmula 17 do STJ, listou a professora da FGV: “Um sujeito, buscando praticar estelionato contra alguém, utiliza de documentos falsificados para ludibriar a vítima. Aplica-se novamente o princípio da consunção. O crime de falsidade foi o crime-meio para realização do crime de estelionato, de modo que deve ser absorvido por este”.

Ao Checamos, o STJ confirmou que “a mensagem veiculada no vídeo distorce o conteúdo de uma decisão da corte de 2012, que vem sendo reiterada em diversos julgamentos”“Não se trata de absolvição de crime”, destacou.

“No julgamento do HC 181.400, a Quinta Turma do STJ entendeu que o crime de porte ou posse ilegal de arma pode ser absorvido pelo crime de tráfico, se ficar provado que o primeiro está relacionado diretamente à prática do segundo. Se não houver absorção, o acusado poderá ser condenado pelos dois crimes separadamente, com a soma das penas”, informou o Tribunal.


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