Na última semana do governo Jair Bolsonaro, entre os dias 27 e 29 de dezembro, auditores fiscais da Receita Federal em São Paulo barraram uma suposta tentativa do então secretário Julio Cesar Vieira Gomes para liberar as joias trazidas da Arábia Saudita e apreendidas no aeroporto de Guarulhos (SP).
De acordo com relatos feitos à CNN por dois auditores da Receita que acompanharam diretamente o caso, mas pediram para não ter seus nomes divulgados, Vieira Gomes tentou chamar para si o Ato de Destinação de Mercadoria (ADM) sobre as joias. Esse ato corresponde à conclusão do processo de transferência do direito de propriedade das mercadorias retidas pela alfândega.
O então secretário da Receita Federal, que assumiu esse cargo em dezembro de 2021 e nos bastidores é considerado próximo do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), agiu dentro da legalidade. A lei garante a possibilidade formal de que o ato de incorporação final dos bens apreendidos — para leilão ou doação — seja feito pelo chefe máximo da autarquia em Brasília.
No entanto, segundo os auditores, isso é a exceção. Em 2021, segundo relatório do Fisco, apenas R$ 19,3 milhões dos R$ 485 milhões em ADMs — menos de 4% do total — foram despachados diretamente pelo secretário.
A regra é que a decisão fique com as delegacias da Receita Federal ou com uma de suas dez superintendências regionais. As duas fontes disseram à CNN que Vieira Gomes tentou “avocar para si” a prerrogativa de incorporar o conjunto de joias retidas em Guarulhos. Com isso, caberia exclusivamente a ele decidir pela liberação das peças, que foram avaliadas em R$ 16,5 milhões.
Elas vieram de Riade na mochila de um assessor do ex-ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) e seriam um presente do regime saudita para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. Também havia um relógio de diamantes para o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro. Albuquerque estava na Arábia Saudita em viagem oficial.
A menos de uma semana para o fim do governo passado e a troca de ocupante no Palácio do Planalto, os funcionários da Receita em São Paulo ignoraram o pedido de Vieira Gomes e não transferiram o processo para Brasília, segundo relatos.
No dia 31 de dezembro, o então secretário foi nomeado adido tributário e aduaneiro na Embaixada do Brasil em Paris. Entre os auditores fiscais diretamente envolvidos com o caso, havia um receio de que as peças fossem devolvidas à Arábia Saudita por meio de sua embaixada em Brasília. Nesse caso, elas ganhariam inviolabilidade diplomática e poderiam ter a destinação que os sauditas quisessem.
As joias continuam retidas no aeroporto de Guarulhos. A Polícia Federal receberá do ministro da Justiça, Flávio Dino, um ofício para iniciar investigações sobre o caso. Vieira Gomes foi procurado pela CNN, por telefone e mensagens, mas ainda não retornou.