Em dezembro de 2021, a Bahia foi afetada por chuvas de proporções diluvianas, que chegaram a atingir mais de 900 mil pessoas, entre impactados, desabrigados e mortos. Na época, o presidente Bolsonaro estava de férias em Santa Catarina. Lá estava e lá permaneceu. Do alto de sua falta de solidariedade, o “ex-capitão”, preocupadíssimo com descanso, afirmava: “espero que não tenha que voltar antes”. Interromper os passeios de jet-stki e de lancha para exercer suas funções de presidente da república, quando milhares de brasileiros estavam em desespero? Que ideia absurda! Naquela época, coube a outros entes da Federação: Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Norte, Maranhão, Paraíba e Sergipe, oferecer o suporte necessário à Bahia, além da ajuda da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para o resgate de vítimas das enchentes. O desleixo de Bolsonaro causou uma certa indignação, mas acostumados que estávamos com um presidente que se recusava assumir a liderança do país, que terceirizou o exercício do comando dos rumos da nação (para o Centrão, para o Mercado...), engolimos em seco. Estávamos como anestesiados, entorpecidos por uma sucessão de barbaridades perpetradas pelo ex-presidente.
Bolsonaro se elegeu sob a falsa antítese ao que chamava “velha política”. Na verdade, ele exerceu mandato parlamentar por mais de 30 anos, pendurou todos os seus parentes, aderentes e agregados na máquina do Estado... vide a mãe do mais novo bebê do clã, confortavelmente acomodada em um cargo público, com salário nababesco, às custas do meu e do seu suado dinheiro, caro leitor. Bolsonaro, o “anti-sistema” que na verdade se refestela no sistema que tanto critica.
Um ano se passou, a tragédia ambiental se repetiu. Mas o cenário agora é outro. Ao tomar conhecimento do desastre no litoral norte paulista, Lula também estava no gozo de seu descanso de carnaval, mas sua postura foi o oposto absoluto de seu antecessor. Lula prontamente se dirigiu a São Sebastião, a cidade mais atingida pelo desastre natural. Uniu esforços ao Prefeito, Felipe Augusto (PSD), e ao Governador, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Afirmou que o momento é de conjugação de forças para o bem da população atingida e anunciou medidas para o enfrentamento da crise. A imagem colhida do encontro dos três é marcante, simbólica e alvissareira.
Desde a campanha eleitoral, Lula afirmava que em seu governo não haveria distinção no trato entre governadores aliados e os de oposição. E assim tem feito, a exemplo do que aconteceu após as graves investidas golpistas de 8 de janeiro, quando o atual presidente reuniu-se com todos os governadores dos 27 estados e do Distrito Federal. Naquela reunião, reiterou a defesa da democracia e dos primados republicanos. Bolsonaro, por sua vez, ignorava e hostilizava publicamente os governadores da oposição, a ponto de os estados do nordeste terem sido obrigados a se reunir em consórcio para discutir e enfrentar problemas comuns.
Nesta segunda-feira, o registro fotográfico do encontro de Lula com o governador Tarcísio e o prefeito Felipe Augusto é uma lição republicana. Essa palavra - República, tão cara e que significa “coisa pública” (res – publica), precisa ser revisitada e relembrada após longos anos de hiato patrimonialista e pseudo-monárquico. Quem não lembra de pérolas autocratas, como “meu exército”, “eu sou a Constituição”? Bolsonaro certamente sonhava em ser o Rei Sol.
Mesmo em meio à tragédia ambiental e humanitária, a imagem da conjugação de forças do Estado, em suas três esferas (governo federal, estadual e municipal), buscando socorrer pessoas em sua maior vulnerabilidade, é uma imagem de esperança para nossa combalida democracia. Foi emocionante ver o presidente Lula colocar a mão na testa do prefeito de São Sebastião e dizer: “Calma, vamos consertar isso aí. Arruma um terreno seguro que vamos reconstruir essas casas.”