Talvez Bolsonaro nem seja o principal ator do extremismo de direita que se implantou no país, mas seus três filhos que também são políticos – o vereador carioca Carlos, considerado um gênio das redes sociais, o senador Flávio e o deputado federal Eduardo, o mais ligado à política e emocionalmente ao ex-presidente dos EUA, Donald Trump. E, durante a última campanha eleitoral, a atual mulher de Bolsonaro, Michelle, uma evangélica fervorosa com ares místicos que havia permanecido esses anos no anonimato da família e que despertou com força, protagonismo e poder político, desequilibrando o clã.
A inesperada derrota imposta pela força de Lula e sua genialidade em criar uma ampla frente de partidos democráticos, algo semelhante ao antigo Pacto de Moncloa, na Espanha, e que lhe deu a vitória, desconcertou e começa a rachar a família Bolsonaro.
As forças políticas mais conservadoras que apoiaram Bolsonaro se sentiram derrotadas pela vitória de Lula e sua equipe e já pensam em substituir Bolsonaro como líder por uma das figuras da direita não golpista. Por exemplo, fala-se dos novos governadores de São Paulo e Minas Gerais, dois bastiões da política brasileira, que já começam a conversar com a nova equipe de Lula em busca de um pedaço do novo poder.
A chegada de Lula ao poder com sua equipe, que vai da extrema esquerda à direita moderada e trouxe alívio às forças democráticas, enfraqueceu imediatamente as tentativas fracassadas de Bolsonaro de desferir um golpe com os caminhoneiros paralisados e os pedidos de intervenção militar. E isso porque os militares fizeram ouvidos moucos a esses pedidos e já estão conversando com os vencedores das eleições, sobretudo porque nos governos lulistas anteriores, Lula sempre manteve um diálogo aberto e democrático com as Forças Armadas.
Nas divergências que surgiram no clã da família bolsonarista, chega a ser comentada a possibilidade de separação conjugal entre Bolsonaro e sua mulher Michelle, recém-convertida à política ativa, enquanto o deputado Eduardo, amigo pessoal de Trump, parece mais interessado em participar do movimento mundial da nova extrema direita do que da luta nacional.
E é assim que Bolsonaro pode acabar se sentindo sozinho e traído até pelos seus. E embora nos dias de hoje ele continue com sua mania de tentar contestar os resultados das urnas e arrastar o alto comando militar com seus sonhos de poder, Bolsonaro começa a entender que está mais sozinho do que poderia imaginar e sente-se abandonado até por seu próprio clã.
Tudo isso pode ser positivo para Lula, que, ao contrário, hoje tem a maioria dos eleitores e conta com a euforia das forças democráticas preocupadas até ontem que Bolsonaro conseguisse arrastar em seus delírios golpistas não apenas seus seguidores mais fiéis, mas também a massa de brasileiros defensora dos valores tradicionais de Deus, Pátria e Família.
O importante em todo esse xadrez da democracia brasileira que apareceu em crise e nas mãos de extremistas fascistas é que os delírios golpistas do Bolsonaro que as urnas parecem ter enterrado estão falhando a cada dia que passa, enquanto aumentam a aproximação e o diálogo entre a direita e forças políticas da esquerda que rejeitam qualquer tentação extremista.
As semanas turbulentas de debate político em que a serpente nazista começou a se erguer com suas manifestações de rua e rituais ultrapassados podem ser resumidas em um início de fracasso político que dobra a responsabilidade do Lula ressuscitado.
Trata-se de um líder político que parece ter chegado para dissipar o ambiente de extrema direita que começava a ser irrespirável e ameaçava envenenar um povo que, com todos os seus problemas, continua firme em sua vocação de felicidade, encontro, ilusões e culturas ameaçadas e desprezadas pelos demônios do rançoso Bolsonaro, que felizmente começa a se desfazer como uma bolha de sabão.
Esperemos para ver, e com a palavra a fênix do velho Lula que ressuscitou e reviveu duas palavras-chave que pareciam ter sido apagadas do dicionário deste país: felicidade e esperança. E sobretudo a palavra “fome”, precisamente num país que continua a alimentar meio mundo com os seus produtos.
(Transcrito do El País)