Sem citar nomes, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) divulgou uma nota na terça-feira (11/10), véspera do feriado de Nossa Senhora Aparecida, lamentando a “intensificação da exploração da fé e da religião como caminho para angariar votos no segundo turno”.
Mais direto, impossível.
Em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, Jair Bolsonaro (PL) escolheu a cidade de Aparecida para cumprir agenda de campanha ao lado de Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu candidato ao governo de São Paulo. O 12 de Outubro, como se sabe, é o dia mais sagrado dos devotos da padroeira do Brasil. É também o dia em que a cidade turística recebe o maior fluxo de pessoas –um manancial de votos para o candidato que se arvora em uma espécie de guerra santa para reverter o favoritismo do adversário.
Na última pesquisa Datafolha, Bolsonaro aparecia com 38% das intenções de voto entre o eleitorado católico, contra 55% do ex-presidente Lula (PT). A situação se inverte entre evangélicos, segmento no qual o atual presidente soma 62% das preferências. Lula tem 31%.
A campanha de Bolsonaro tem sido toda pensada para fidelizar o eleitorado evangélico. Ele tem na primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que é evangélica e costuma realizar cultos na residência oficial, uma aliada e porta-voz para manter o enclave ativo e fortalecido. De olho nesses eleitores, Bolsonaro e aliados espalham mentiras sobre o arquirrival petista relacionadas a fechamento de templos e perseguição a cristãos – algo que nunca aconteceu durante os governos petistas.
O apelo que discursos do tipo tem em evangélicos não produz o mesmo efeito entre os católicos, que hoje representam 53% do eleitorado –os evangélicos somam 27%, mas são mais atuantes, mais engajados e devem ser tornar maioria em poucos anos no país.
A mistura de fé com religião, que encontrou ressonância em pastvistores como Silas Malafaia e outras lideranças alinhadas ao bolsonarismo, é justamente o que incomoda a maioria católica. É o que se pode perceber pela nota da CNBB e pela fala de autoridades como dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo que, em entrea à Folha de S.Paulo, disse ser necessário denunciar “a instrumentalização da fé em função ideológica e política”.
Para ele, se Bolsonaro quiser mesmo ir até o Santuário de Aparecida, “que vá”, mas como romeiro. Segundo o arcebispo, onde há fanatismo, não há lucidez.
Bolsonaro já havia sido criticado por querer transformar em palanque a celebração do Círio de Nazaré, em Belém (PA). A organização disse que foi ele quem se convidou. O presidente ficou isolado durante o evento e tinha tanto respeito pelos presentes que escreveu em suas redes que participaria do “Sirio” de Nazaré.
No ano passado, ao visitar Aparecida, Bolsonaro recebeu uma grande indireta do bispo da cidade, Orlando Brandes, para quem “a pátria amada não pode ser pátria armada”. “Para ser pátria amada, seja uma pátria sem ódio, uma república sem mentira e sem fake news”, pregou.
Em nenhum momento o recado foi ouvido pelo presidente, que um ano depois tirou novamente do armário a loção de óleo de peroba, o figurino de católico bem comportado, devoto do amor ao próximo, e foi à missa performar diante do bispo as boas intenções que nunca teve.
Dá para entender a irritação com sua presença no dia mais sagrado para os devotos de Nossa Senhora –a padroeira negra, mãe de todas as mães, que representa tudo o que os grupos políticos extremistas mais desrespeitam no restante do ano.
"É preciso vencer os dragões do ódio e da mentira", disse em sua homilia deste ano, diante de um santuário lotado, o arcebispo de Aparecida.
Para bom entendedor, meia homilia basta.
Vídeo:
Bolsonaristas hostilizam jornalistas no Santuário de Nossa Senhora Aparecida