Magri defende a participação do segmento no processo eleitoral, em linha com uma cartilha sobre a responsabilidade social do setor privado no pleito, lançada nesta semana pela entidade que é pró-desenvolvimento sustentável, direitos humanos e democracia.
Para o dirigente, a atuação deve ser ao redor de causas, e não de candidatos. "As empresas podem defender plataformas de políticas públicas que tenham sintonia com aquilo que elas buscam", diz à Folha de S.Paulo.
Marcas e companhias que tenham programas sociais de diversidade, de inclusão social, de redução de impactos em territórios e de controle de danos ambientais "precisam de políticas públicas que sigam nessa direção", sustenta Magri.
O manual indica que uma forma segura para empresas durante o processo eleitoral "é se comprometer com agendas transversais ou em ações coletivas", evitando vinculação a candidatos e partidos.
O texto sugere ainda cuidados para não constranger funcionários e respeitar o direito de livre manifestação política. Também incentiva ações para que os empregados sejam estimulados a conhecerem planos de governo de postulantes, acompanharem debates e votarem.
Por outro lado, uma consulta do Ethos a associados mostrou que a grande maioria vê riscos para a reputação com o envolvimento em eleições. A entidade, que diz abrigar cerca de metade das 200 maiores empresas do Brasil, publica documentos com orientações para os pleitos desde 2002.
Magri descreve como um vácuo a situação do meio empresarial no processo eleitoral brasileiro desde a proibição de doações privadas para campanhas, em 2015. A vedação, na esteira da Operação Lava Jato e dos escândalos de corrupção e caixa dois, foi apoiada pelo Ethos.
"A relação foi escusa, muito pouco transparente, especialmente nos períodos mais recentes das eleições presidenciais. As empresas tiveram uma participação e uma interferência enorme com o financiamento. E isso, em termos de reputação, não foi legal para ninguém", diz o presidente da organização, que tem entre os membros empresas investigadas, como JBS, Novonor (ex-Odebrecht) e Braskem.
A "memória desse tempo" em que distribuíam dinheiro precisa dar lugar a "uma nova cultura", em que empresas assumam também um papel de organizações sociais que possam ajudar a disseminar práticas como a sustentabilidade. "Porque senão não tem negócio, não tem prosperidade", diz o sociólogo.
Seu raciocínio é o de que levar empresários e trabalhadores a "pensarem no momento de fazer escolhas" pode beneficiar as próprias empresas, se os temas de interesse delas estiverem na pauta da política institucional. A ideia é que esse trabalho conste como item do planejamento estratégico.
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O manual recomenda um controle sobre doações de pessoas físicas da cúpula ou que representem as companhias. A avaliação é a de que contribuições muito altas acabam por expor a empresa. A dica é orientar a alta gestão a evitar doar, mas não proibir o gesto.
Magri afirma que, além do vazio legislativo para a participação privada no financiamento -substituída pelos fundos eleitoral e partidário, com dinheiro público, e por doações de pessoas físicas, ainda tímidas--, houve um processo de radicalização com o advento do bolsonarismo.
"Temos personagens empresariais, e empresas de alguma forma se misturando com eles, assumindo posturas político-partidárias. Você lembra imediatamente quais empresas e pessoas têm agido nessa perspectiva", segue ele, confirmando ver o bolsonarista Luciano Hang, das lojas Havan, como representante desse grupo.
"Qual é o papel agora? É esse que faz o Luciano Hang? Ou o papel é outro, é assumir causas e em torno delas construir coletivamente uma perspectiva de desenvolvimento sustentável para o país?", reflete.
Magri admite dificuldades para empresas se posicionarem num momento em que levantes por boicote proliferam, em meio a pechas como a de que "quem lacra não lucra". Ele considera que reações do tipo se devem ao aumento das ferramentas de controle social sobre as atividades empresariais.
"As empresas têm o que dizer. Só que as eleições não estão sendo debatidas a partir de propostas e programas. Isso faz parte da estratégia totalitarista e autoritária que o governo federal tem hoje e a participação do candidato Jair Bolsonaro", afirma.
"O debate está interditado pela radicalização permanente, do ataque às urnas, à democracia, à Constituição, realizado pelo presidente Jair Bolsonaro", completa.
O dirigente, que pessoalmente declara voto em Luiz Inácio Lula da Silva (PT), integrou a assessoria especial do então presidente em 2003, sob a coordenação de Oded Grajew, que é presidente emérito do Ethos e idealizador do Fórum Social Mundial.
"Já existem pontes de conversas sobre esse cenário [vitória de Lula], porque os empresários precavidos têm olhado para a realidade. A minha expectativa, e alguns sinais disso existem, é que há a possibilidade de fazer um diálogo amplo, uma discussão sobre a relação entre Estado e setor privado", afirma.
Magri não descarta a chance de o Ethos discutir apoio a algum concorrente na corrida ao Planalto. O que já foi deliberado pelo instituto -e sem resistências internas, segundo o dirigente- foi a adesão ao manifesto em defesa da democracia apelidado de "carta dos empresários".
Para ele, o ato de 11 de agosto a favor da Justiça Eleitoral e da Constituição foi um passo importante contra o golpismo de Bolsonaro, mas a vigilância deve continuar.
"Nós vivemos e continuamos vivendo ainda um período de acovardamento, de ficar embaixo da mesa, de não olhar para o que está acontecendo nem dar a sua contribuição dentro dos princípios constitucionais, da busca por bem-estar para todos", avalia.
"Ali [na Faculdade de Direito da USP] houve um início de um posicionamento coletivo e amplo sobre causas. O cenário é muito difícil, mas as grandes pautas podem ser mobilizadoras de uma aliança importante que precisa ser constituída na sociedade brasileira."
Magri entende que o ganho financeiro de uma empresa é danoso se, Brasil afora, há aumento da desigualdade social, desvalorização do salário mínimo e precarização de programas como o Auxílio Brasil.
"Como alguém pode dizer que melhorou [o ambiente econômico]? É incrível", prossegue. E alfineta o ministro da Economia: "Um dos efeitos críticos do liberalismo Paulo Guedes é o de desmontar, desarticular e desativar os sistemas de fiscalização, comando e controle nas questões do desmatamento, do trabalho degradante, do racismo".
"Parte do mercado acha isso ótimo, mas outra cada vez mais entende a importância de reduzir a desigualdade de renda da sociedade para que o seu negócio possa crescer. É uma questão matemática."