O jovem Gabriel Reis foi jogado em um colchão e agredido com golpes de coturno, coldre de facão e tábua pelos militares.
O capitão Huxlley Jorge Medeiros Leal foi denunciado por prevaricação e inutilização de material probante. Já os ex-soldados Antônio José Gomes Machado, Ezequiel Ribeiro Alves e Francisco Eudismar da Silva Maraço vão responder por lesão corporal leve.
O MPM também pediu R$ 12 mil a título de reparação mínima dos danos morais. A denúncia foi recebida no último dia 19 pela Justiça Militar. O caso corre em sigilo.
As agressões foram reveladas pelo Metrópoles em março de 2019. Outros dois colegas de Gabriel Reis também contaram a rotina de abusos, que chegou a ser filmada em mais de uma ocasião.
Soldados são agredidos em castigos no Batalhão da Guarda Presidencial
No BGP, existe uma regra não escrita de que os militares lotados na unidade devem apanhar para “engrossar o couro”. As sessões de espancamento praticadas por soldados contra colegas de mesma patente ocorriam pelos motivos mais fúteis e serviam como castigo diante de um mínimo desvio disciplinar.
Na ocasião, o ex-soldado Gabriel Reis processou a União e pediu do Estado indenização de R$ 500 mil. O caso ainda não foi julgado pela Justiça Federal.
A rotina de humilhações dentro da companhia provocou, além dos hematomas e ferimentos, sofrimento psicológico em Gabriel. Ele foi dispensado do serviço militar. Sem dinheiro, o jovem buscou consultas gratuitas com psicólogos no Centro de Atenção Psicossocial (Caps), mas enfrentou dificuldade para ser atendido.
Ao Metrópoles a advogada Blenda do Nascimento contou que o jovem tentou refazer a vida dele após os episódios, mas segue desempregado.
“O Gabriel tinha muitos ataques de pânico no começo. Chegou a ser perseguido uma vez em Taguatinga. Então, tinha muito receio de sair de casa. Mas sinto que o tempo o ajudou. Além disso, com essa denúncia, o fato de ele sentir que possivelmente essas pessoas podem ter uma punição traz alívio para ele”, afirma a advogada do ex-soldado.
“Grande sofrimento”
Na denúncia, o MPM narra que as agressões causaram “grande sofrimento” ao jovem.
Gabriel estava mexendo no celular quando ouviu seu nome aos gritos, seguido de dizeres para “pegá-lo”. “Como havia sido alvo de agressões praticadas nos dias anteriores, o ofendido sabia o que estava por vir quando ouviu que iam ‘pegá-lo’, de modo que tentou correr para fora do alojamento, mas foi segurado pelos braços e pela região da cintura”, diz o Ministério Público.
Os colegas de farda carregaram Gabriel pelos braços e pelas pernas e colocaram o rosto dele contra um colchão jogado no chão.
“Uma vez imobilizado o ofendido, iniciaram-se as agressões, vindas de diversos soldados, os quais não puderam ser identificados por Gabriel Reis em razão da posição em que foi mantido pelos ex-soldados ora denunciados”, diz trecho do documento.
“Tais agressões consistiram em golpes nas nádegas, nas coxas e nas costas, aplicados com as mãos e com a utilização de coturno, de coldre de facão e de uma tábua alcunhada de ‘cautela’, na qual havia a inscrição dos nomes de outros militares que com ela também foram agredidos. As agressões duraram cerca de três a quatro minutos”, acrescenta.
O comandante da companhia do BGP, capitão Huxlley, foi avisado sobre as agressões, mas optou por manter o alegado crime encoberto.
“O ofendido apresentou o relatório médico ao capitão Huxlley, o qual tomou o documento das mãos do Sd Gabriel Reis e o rasgou, dizendo que não poderia deixá-lo sair dali com aquele relatório, que era ‘para deixar quieto’, porque ‘isso poderia dar muita merda’, e mandou o ofendido ‘colocar o paisano’, ‘esfriar a cabeça’ e ir embora para casa. Tal situação evidencia seu intuito em manter o fato encoberto, evitando a responsabilização dos agressores”, explica a denúncia.
O capitão ainda teria reunido os militares envolvidos nas agressões e dito que a situação estava resolvida, além de exaltar a conduta deles, segundo o MPM.
Outro lado
Procurado na tarde dessa quarta-feira (3/8) para se manifestar sobre o caso, o Exército disse: “Informo que a Administração Militar tomou conhecimento dos fatos e adotou os procedimentos previstos. O caso encontra-se na Justiça Militar da União”.
O advogado Alexandre de Melo Carvalho afirmou que em nenhum momento o capitão Huxlley foi partícipe, tampouco conivente.
“O soldado que se diz vítima levou pra ele [capitão Huxlley] a situação, mas não desta forma. Ele [Gabriel Reis] não disse que foi espancado, nem nada. Ele só falou que sofria chacota, bullying. Mas o capitão Huxlley levou isso para os seus superiores e informou ao soldado que iria instaurar a sindicância contra os soldados”, alegou a defesa do capitão, em conversa com o Metrópoles.