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04/08/2022 às 21h43min - Atualizada em 04/08/2022 às 21h43min

A eleição em que Bolsonaro defendeu urna eletrônica como antídoto contra fraude no voto impresso

Daniel Salomão Roque - De São Paulo para a BBC News Brasil
https://br.noticias.yahoo.com/
Em 1993, Bolsonaro defendeu que eleições fossem informatizadas pelo TRE
"Esse Congresso está mais do que podre", gritou o então deputado federal Jair Bolsonaro no dia 20 de agosto de 1993. "Estamos votando uma lei eleitoral que não muda nada. Não querem informatizar as apurações. Sabe o que vai acontecer? Os militares terão 30 mil votos, e só serão computados 3.000".
 

Bolsonaro, então filiado ao PPR (Partido Progressista Reformador) de Paulo Maluf, discursava para coronéis e generais da reserva na sede do Clube Militar do Rio de Janeiro em um evento para discutir a "salvação do Brasil". Fazia uma defesa da nascente urna eletrônica como um antídoto contra fraudes que ocorriam no voto impresso.

A maior parte da reunião, segundo o Jornal do Brasil da época, ocorreu sob sigilo, com os participantes divididos em seus planos para a retomada do poder. Uns defendiam o lançamento de candidaturas para as eleições de 1994. Outros, como Bolsonaro, sustentavam que a via democrática era um "sistema viciado".

"Independente das pequenas divergências, nós já somos uma força política, e estamos crescendo", disse no evento do clube militar Euclydes Figueiredo (1919-2009), irmão de João Figueiredo (1918-1999), último presidente da ditadura militar brasileira. "Não queremos o golpe, mas eles nos temem".

No final daquele ano, enumeraria as providências que julgava necessárias para garantir a lisura do processo eleitoral — entre elas, a proibição do voto dos analfabetos, a exigência de segundo grau (o antigo ensino médio) para os candidatos e a informatização das eleições.

"Só com essas medidas conseguiríamos evitar os votos comprados", disse.

As declarações contrastam com uma das principais plataformas do atual presidente da República: lançar desconfiança sobre a lisura da urna eletrônica.

Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro durante a posse

As investidas de Bolsonaro contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vêm se acirrando desde 7 de outubro de 2018, com a definição do segundo turno contra Fernando Haddad (PT) na última disputa presidencial.

"Lamentavelmente, o sistema derrotou o voto impresso", disse o então candidato presidencial do PSL. "Se tivéssemos confiança no voto eletrônico, já teríamos o nome do futuro presidente da República decidido no dia de hoje".

No último dia 14 de julho, o Ministério da Defesa sob comando de Bolsonaro sugeriu, para as eleições de 2022, uma votação paralela em cédulas de papel, sob a justificativa de testar a confiabilidade do sistema eletrônico.

Quatro dias depois, em meio a uma reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, Bolsonaro criticou ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), acusando-os de sabotar eventuais medidas de transparência.

"Bozo Ricupero"

Em 1994, ano em que Bolsonaro se reelegeu para a Câmara dos Deputados, a inflação e o Exército assombravam os debates políticos no país.

Era também o início do Plano Real.

A medida provisória nº 434, publicada no final de fevereiro de 1994, instaurava a Unidade Real de Valor (URV), empregando-a como referência nas conversões financeiras para a nova moeda, a ser lançada em junho.

Organizações trabalhistas se opunham aos critérios do governo, por considerá-los prejudiciais aos assalariados. Segundo cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), as perdas no poder de compra da população oscilariam entre 26% e 55%.

A URV desagradava igualmente ao Exército. De acordo com Bolsonaro, coronéis teriam soldos reduzidos a 5,5 salários mínimos; capitães, a 3,2; e sargentos, a 2,5.

O jornal Tribuna da Imprensa noticiou que, em 1º de março, Bolsonaro discursou na tribuna da Câmara: "Não admito uma política econômica dessa forma. Já que o presidente não é homem, que pelo menos o ministro seja, e assuma de vez esse arrocho".

Segundo o diário Jornal do Brasil de 12 de março, o atual presidente recomendava "ações de guerrilha, saques e sabotagem" contra o Plano Real para evitar que militares se transformassem em "meros funcionários de quarteis".

Em 14 de abril, o Congresso aprovou a medida provisória nº 457, que implementava pequenas mudanças à URV, sem incorporar as propostas da oposição.

Bolsonaro, aos berros, alardeou: "Vejam o que eu faço com essa m...".

Em seguida, dirigiu-se ao senador Ronan Tito (PMDB-MG), que segurava uma cópia do texto, e arrancou o papel de suas mãos, rasgando-o e cuspindo sobre as folhas picadas.

Quatro dias depois, o incidente reverberaria no Clube Militar. Falas do evento foram registradas pelo Tribuna da imprensa — o jornal que mais citaria o parlamentar ao longo dos anos 1990.

"Hoje não preciso cuspir em ninguém. Aqui, estou entre amigos", discursou Bolsonaro, de volta ao local.

"Mas não posso dizer o mesmo do Congresso, que é uma pocilga."


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