Desde que a última pesquisa presidencial do Datafolha foi divulgada no dia 26 de maio, diversas publicações nas redes sociais têm questionado a credibilidade das pesquisas eleitorais. O número de interações em publicações que continham o termo "pesquisa eleitoral" disparou no último mês na semana de 22 a 28.
Cerca de 1.200 publicações somaram 216.903 interações no Facebook. Os dados foram retirados do CrowdTangle, ferramenta de monitoramento que permite analisar o conteúdo que circula em algumas redes sociais. Mais de 102 mil dessas interações ocorreram no dia 26 de maio, quando foi publicado o levantamento do Datafolha.
Os termos "pesquisa"e "datapovo" estiveram entre os que mais apareceram em conteúdos de baixa qualidade na internet. A informação foi retirada no último sábado (4) do Radar, projeto do Aos Fatos e se refere aos dias 28 de maio e 3 de junho.
No dia 27 de maio, a reportagem do Yahoo! Notícias verificou três peças desinformativas sobre o assunto. Uma delas confundia os conceitos de enquete e pesquisas eleitorais, outra trazia uma comparação falsa sobre os valores cobrados pelos institutos de pesquisa e a terceira afirmava que todos os levantamentos do Datafolha em 2018 foram errados.
Com base nas dúvidas e boatos mais frequentes que circularam nos últimos dias, o Yahoo! Notícias buscou especialistas para entender sobre os principais pontos de desconfiança sobre as pesquisas eleitorais.
As enquetes, como define o próprio TSE, não utilizam método científico, diferentemente das pesquisas de opinião pública. Além de seguirem metodologias específicas, as pesquisas são reguladas pela Justiça Eleitoral.
O cientista político e professor da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) Felipe Borba em entrevista ao Yahoo! Notícias explicou que a principal diferença está no rigor científico próprio das pesquisas: "As pesquisas têm procedimentos muito bem definidos, principalmente procedimentos amostrais, enquanto que as enquetes não têm esse procedimento tão rigoroso".
Por meio das redes sociais e outros canais na internet, qualquer pessoa pode disponibilizar perguntas ou um questionário e então colocar uma enquete no ar.
Como normalmente não há um controle do perfil nem da quantidade de pessoas que respondem às enquetes, é comum que grupos com interesses específicos se mobilizem para registrar suas respostas, como explicou Borba. Segundo ele, "isso desvirtua o princípio de uma pesquisa, segundo o qual as pessoas que respondem, ou seja, a amostra deve ser uma cópia em miniatura da população que se quer pesquisar".
Por isso, é comum que enquetes apresentem resultados em que um dos candidatos pareça ter mais apoio do que na realidade. No entanto, não há uma punição específica para a divulgação de enquetes, como explicou ao Yahoo! Notícias Silvana Batini, que é professora de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) e procuradora regional da República:
"A legislação pune com uma pena muito alta a divulgação de pesquisas sem registro [...]. Então a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, vem sendo um pouco leniente com a divulgação de enquetes e liberando muito".
A falta de uma regulação específica para esse tipo de levantamento tem tido um impacto negativo, na opinião de Batini, que já foi procuradora regional eleitoral do Rio de Janeiro entre 2019 a 2021.
Ela afirmou que as enquetes podem acabar "induzindo as pessoas a eventualmente duvidarem das pesquisas verdadeiras ou acreditarem que aquela enquete tem o rigor técnico que uma pesquisa tem". Esse movimento pode desinformar os eleitores e produzir um impacto tão nocivo quanto o de uma pesquisa incorreta, concluiu a procuradora.
Transparência no combate às fraudes
Como explicaram os especialistas consultados pelo Yahoo! Notícias, um dos grandes diferenciais das pesquisas eleitorais é a necessidade de registro junto à Justiça Eleitoral. A obrigação está prevista na Resolução do TSE nº 23.600 de 2019.
Felipe Borba e Silvana Batini concordam que o modelo atual funciona e que a transparência tem sido a chave para evitar fraudes. Isso porque essa transparência permite que as pesquisas sejam auditadas e impugnadas.
De acordo com a resolução, as pesquisas devem ser registradas até 5 dias antes de sua divulgação no sistema do TSE. Devem ser publicadas informações como:
A divulgação de pesquisas sem o registro pode gerar multa que varia de cerca de R$ 50 a R$ 100 mil reais. Além disso, divulgar pesquisa fraudulenta é crime e pode ser punido com detenção de seis meses a um ano e multa.
O cientista político Felipe Borba também acredita que a manutenção da credibilidade dos institutos de pesquisa é um elemento essencial para que não ocorram fraudes:
"Os institutos não colocam a sua credibilidade em risco para atender algum tipo de interesse político ou ideológico, os institutos são empresas que vivem da sua reputação e por isso precisam fazer pesquisas com qualidade".
Um dos elementos essenciais das pesquisas de opinião pública é o grupo entrevistado, chamado de amostra. Para ter um resultado preciso, a pesquisa deve selecionar um grupo que represente o eleitorado.
Por isso, "todas as diferenças que existem na população devem estar representadas na amostra" disse Borba. E para isso, existem duas formas de seleção do grupo entrevistado:
Por meio de sorteio dos elementos, regiões e até mesmo entrevistados são selecionadas as amostras probabilísticas.
A aleatoriedade do sorteio é o que garante que o eleitorado será representado, pois "não existe nenhum critério interferindo na escolha", justificou Borba.
Já o segundo modelo se trata justamente de um tipo de amostra não probabilística, a por cotas.
A seleção do grupo é feita a partir de dados sobre o eleitorado, como idade, escolaridade e gênero.
Tendo os grupos representados na amostra e as quantidades definidas, os institutos buscam, então, pessoas que se enquadrem nas características necessárias para atender às cotas definidas.
Borba destacou que esse modelo é o mais usado no país, pois é mais barato e mais rápido.
O Datafolha, por exemplo, utiliza os dois métodos. Primeiro, os locais onde serão aplicadas as entrevistas são sorteados e depois, por meio do sistema de cotas proporcionais, com base em dados do IBGE e do TSE, são selecionados os entrevistados.
Felipe Borba explicou que um dos fatores que pode influenciar os entrevistados é a ordem das questões. Isso porque pode ocorrer o efeito aprendizagem.
O efeito aprendizagem ocorre, basicamente, quando o eleitor ao longo do questionário vai sendo informado sobre determinadas questões. Essas informações podem afetar a sua escolha.
"Se você faz uma pergunta sobre corrupção e na próxima pergunta questiona a intenção de voto, essa primeira pergunta pode contaminar a resposta seguinte e todas as outras", exemplificou Borba.
Por isso, os institutos costumam perguntar a intenção de voto logo no início, afirmou ele. Esse é o caso do Datafolha, que em sua pesquisa mais recente iniciou com as questões sobre a intenção de voto. Somente depois dessa etapa, apareceram os demais tópicos, como a avaliação de governo.
Além disso, para evitar interferências dos questionários na escolha dos entrevistados, as perguntas devem ser neutras e as opções de respostas não devem ser restritas, deixando de fora candidatos, por exemplo.