Tudo é bizarro. Ministros conversando com senadores sobre política? Ministros julgam, senadores representam seus estados e fazem política. Abrir diálogo com militares? Não é função de ministro de nenhum tribunal. Dialogar com eles para impedir um golpe? Inconcebível que haja golpe em um país democrático.
Bolsonaro conseguiu em menos de quatro anos de governo virar o Brasil pelo avesso – e para pior, naturalmente. Como ele mesmo disse em sua primeira viagem aos Estados Unidos depois de eleito, sua missão seria destruir o “sistema” para mais tarde pôr outro no seu lugar. Que outro? Não disse, nem precisava dizer.
Foi em um jantar na Embaixada do Brasil em Washington para poucas pessoas. Estavam ali, felizes e deslumbrados com o que ouviam, o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, esotérico e tradicionalista, guru da família Bolsonaro, e Steve Banon, marqueteiro da campanha do ex-presidente Donald Trump.
Com menos de seis meses de mandato, Bolsonaro falou pela primeira vez em armar o povo para que defendesse a democracia se ela se visse ameaçada de repente. O cenário foi um quartel do Exército na cidade gaúcha de Santa Maria. Democracia para ele significa regime autoritário sob seu comando.
Democracia é um regime cheio de defeitos, mas o autoritarismo não é um deles. Na democracia, há alternância no poder. Regularmente, os cidadãos aptos a votar escolhem livremente quem deve governá-los. Podem acertar ou errar, como erraram no caso de Bolsonaro, mas sua vontade é soberana e respeitada.
Ante o risco de ser derrotado daqui a cinco meses, Bolsonaro prega o desrespeito à vontade da maioria. Faz isso dia sim e outro também. Prega a rebelião armada a seu favor. E argumenta que liberdade de expressão, um dos valores da democracia, serve justamente para isso, para que todos expressem o que pensam.
No Paraná, Bolsonaro pegou carona na inauguração de uma ponte para outra vez desafiar o Supremo Tribunal Federal, onde é investigado por hostilizar a democracia e distribuir fake news. Em resposta ao ministro Alexandre de Moraes, que prometeu cassar o registro de candidatos que disseminem notícias falsas, disse:
“Vai cassar o meu registro? Duvido que tenha coragem. Não estou desafiando ninguém, mas duvido que tenha coragem de cassar. […] Eu defendo a liberdade. Onde está a tipificação para fake news? Não existe. É a mesma coisa que acusar um de vocês ou condenar por ter assassinado um marciano”.
Não há evidências de que Marte seja habitado, mas há suficientes de que existem fake news. Quando o próprio Bolsonaro insiste em repetir que a apuração dos votos se dá em uma “sala secreta” do Tribunal Superior Eleitoral, ele se torna autor de uma fake news. Inexiste sala secreta no tribunal. Não há manipulação de votos.
Havia manipulação à época do voto impresso, por meio do qual Bolsonaro se elegeu deputado federal cinco vezes, e nunca reclamou. Não reclamou do voto eletrônico que lhe deu mais dois mandatos e, por fim, a vitória para presidente. Fato é fato, opinião é opinião. Cada um pode ter suas opiniões, mas não seus fatos.
O ministro Dias Toffoli fez muito mal quando levou um general para assessorá-lo na presidência do Supremo; e o ministro Luís Roberto Barroso ao convidar as Forças Armadas para palpitar sobre a segurança do voto eletrônico. Espera-se que os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia não aceitem a sugestão dos sete senadores.
Cada um no seu cercadinho, e os militares nos quartéis.