Jair Bolsonaro pode espernear quanto quiser. Mas o diagnóstico apontado pelo Datafolha na quinta-feira (26/5) é, até o momento, a resposta mais precisa de como as ações do presidente tem sido acolhidas pela população além do cercadinho onde montou a sua zona de conforto à entrada (ou saída?) do Palácio do Planalto.
Se as eleições fossem hoje, o ex-presidente Lula venceria a disputa já no primeiro turno. O petista tem 21 pontos de vantagem sobre Bolsonaro (48% contra 27%) e atingiria 54% dos votos válidos (contra 30% do atual presidente).
A saída de outros dois adversários da pista (Sergio Moro e João Doria, alvos frequentes do bolsonarismo) pode ter sido fatal para os planos de quem está atrás nas pesquisas —e vê como provável uma definição do jogo antes do previsto.
Nas simulações de segundo turno, Bolsonaro perderia feio tanto para Lula (58% a 33%) como para Ciro Gomes (52% a 36%).
O resultado de seu fraco desempenho está na reprovação de seu governo, considerado ruim ou péssimo por 48% dos entrevistados pelo instituto. O índice de aprovação é praticamente o mesmo de sempre: 25%.
A má avaliação atinge em cheio as chances de reeleição de um presidente perdido em suas próprias obsessões. Nada menos do que 54% dos eleitores dizem não votar no ex-capitão de jeito nenhum. A rejeição a Lula é de 33%.
A análise dos números por segmento ajuda a entender por que o presidente patina nas pesquisas mesmo tendo a máquina do governo em sua mão. São justamente o foco e as energias despendidas por sua gestão em temas que desagradam boa parte dos eleitores que explicam o desencontro.
Bolsonaro, que fez da administração um Clube do Bolinha, majoritariamente composta por homens, tem só 23% de apoio entre as mulheres. Lula lidera no segmento —maioria da população— com 49%.
Para ganhar terreno entre o eleitorado feminino, o líder que até outro dia mandava a população enfrentar a pandemia como “homens” e censurava o choro de quem perdeu amigos e parentes para a Covid decidiu terceirizar a missão para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que desde o início da gestão só ganhou os holofotes quando veio a público a notícia de que recebeu um cheque de R$ 39 do ex-PM Fabrício Queiroz, acusado de embolsar o salário de funcionários dos gabinetes da família Bolsonaro.
Michelle, desde então, protagonizou uma mensagem em rede nacional do Dia das Mães para exaltar os feitos do marido e ganhou alguns holofotes ao se ajoelhar num encontro da bancada religiosa no Congresso e rezar a Deus para que curasse o país.
A cena, com direito a lágrimas de crocodilo, pode ter agradado parte da base evangélica, bajulada pelo marido que prometeu (e cumpriu) indicar um ministro terrivelmente evangélico para o STF e travou qualquer debate que desagradasse os aliados em seu governo.
Mas no Brasil as denominações religiosas são diversas, e apesar de pontuar numericamente à frente de Lula entre evangélicos (39% a 36%), Bolsonaro não consegue repetir o desempenho entre católicos. Neste segmento, Lula lidera com 54% (contra 23% do capitão).
A postura belicosa do presidente que celebra chacina em público e hesita em condenar o assassinato numa câmera de gás de um inocente é um evidente contraste com a máxima cristã sobre amar ao próximo como a si mesmo.
No país onde boa parte dos jovens não tem oportunidade de estudo nem de trabalho, o chefe do governo come poeira entre os eleitores de 16 e 24 anos: tem só 21% das intenções de voto, ante 58% do principal adversário.
Para Bolsonaro, é (ou deveria ser) preocupante a vantagem petista entre pessoas desempregadas (57% a 16%). Esse contingente representa cerca de 11% da população.
O presidente que nos finais de semana gosta de gastar os tubos com cartão corporativo em passeios de moto e jet ski, dois bens de consumo distantes da lista de desejos de quem vê o preço do café e do feijão disparar no supermercado, tem apoio de apenas 20% dos eleitores que ganham até dois salários mínimos. Lula tem 56%.
Pegou mal, para o presidente, a pressa em trocar o logotipo dos cartões por onde é pago o Auxílio Brasil benefício desenhado com intuito eleitoral e com hora para acabar. O desmonte das políticas de transferência de renda, alinhadas com programas de assistência social e segurança alimentar, mandou a fatura.
Isso pode ser sentido no desempenho do presidente no Nordeste, onde dele definha com 17% de apoio – ante os 62% ostentados pelo petista.
Quem diria que visitar o Nordeste e dizer no palanque que gosta de chamar nordestinos de "cabeçudos" e "pau de arara" só pioraria a má fama do capitão entre os eleitores da região?
Maldito politicamente correto, que não permite a um mandatário calcular o peso de pessoas negras em arrobas e reverter o índice de apenas 23% entre elas. Lula lidera neste grupo com 57%.
Para qualquer presidente, não é e nunca será fácil lidar com os desafios de um mundo fraturado por guerras, pandemia, colapso ambiental. Os desafios (reais) são muitos, mas Bolsonaro preferiu dispensar energias atacando as urnas, o livro dos heróis da pátria e os dirigentes que ele mesmo escolheu para a Petrobras.
De quebra, ele assustou boa parte dos eleitores do centro que alimentava alguma esperança de moderação ao peitar o STF e conceder um indulto a um deputado condenado por ameaçar ministros da Corte e o Estado democrático de Direito. Pegou tão mal que agora o presidente precisa atravessar a rua e fingir que não conhece o aliado de primeira hora.
Sobrou a Bolsonaro o discurso esfarrapado de que sua derrota será a vitória da corrupção. Para isso, precisa explicar aos eleitores as estranhas transações envolvendo pastores lobistas do MEC, farras na compra de veículos com dinheiro público, obras suspeitas bancadas pelo orçamento secreto, entre outros.
Bolsonaro tem menos de quatro meses para mudar o figurino, performar alguma inteligência, fingir que não morde. E enganar a maioria dos eleitores mais uma vez.