A crise na capital tem um efeito mais político do que econômico. As duas megalópoles têm pesos diferentes. Xangai, com 26 milhões de habitantes, é o centro financeiro da China, com executivos e funcionários ocupando basicamente os escritórios no centro. O grosso dos trabalhadores braçais opera no entorno, em fábricas mais afastadas. Pequim, com outros 22 milhões, tem base no turismo e serviços, além da burocracia estatal. A escalada da crise está desafiando a estratégia de Covid Zero estabelecida pelo líder Xi Jinping a menos de seis meses das eleições de outubro, marcadas pelo Comitê Central do Partido Comunista Chinês. Seguindo a fórmula de inspiração maoísta que privilegia o bem coletivo sobre os direitos individuais, ele apostou no controle político e tecnológico sobre a população.
Xi é o secretário geral do PCC desde 2012 e ambiciona um terceiro mandato. Para garantir mais cinco anos no posto, está sendo obrigado a se equilibrar na corda bamba que tem uma ponta amarrada na saúde pública e outra na economia. Precisa de soluções que contemplem as metas determinadas por seu governo – a estratégia Covid Zero – “para não passar vergonha” (algo caro aos chineses). Ao mesmo tempo, corre com medidas que garantam o giro da economia, tentando racionalizar a abertura e o fechamento de fábricas e a circulação do público, ao mesmo tempo em que ameaça com multas de até 3 milhões de yuans (ou mais de R$ 2,2 milhões) quem se atreva a atuar no mercado negro de alimentos.
A produção não parou, mas a logística sofre. Ou, como observa VanDyck Silveira, CEO da Trevisan Escola de Negócios e especialista em macroeconomia: “É como um nó segurando a passagem da água na mangueira do jardim”. Produtos ainda estão parados em pilhas de contêineres nos portos (abarrotados de tênis a celulares, de componentes eletrônicos a tecidos), com navios ancorados à espera da partida para os quatro cantos do planeta. E projeções de economistas especializados em China dão conta de um impacto negativo no PIB do país em torno de 0,5 a 0,8 ponto percentual, se tomado o primeiro semestre de 2022.
Sem vacinas importadas e boa parte da população de idosos sem a segunda dose, a onda da BA.2, variante ainda mais difícil de detectar da cepa Ômicron, o lockdown foi estabelecido em Xangai em 27 de março, quando o número de casos de Covid-19 bateu em 6.215 – marca diária mais alta desde o começo da pandemia. O número de casos diários chegou a ultrapassar 26 mil, caindo para 9.330 diagnósticos positivos de assintomáticos (a maior preocupação) apenas no último dia 28. Só agora a cidade recebeu uma lista de mil empresas autorizadas a voltar a operar normalmente.
Para evitar o pior
A restrição em Xangai foi relaxada, mas o confinamento parcial segue em 46 cidades chinesas, com 340 milhões de pessoas passando por algum tipo de restrição. Em Hangzhou, por exemplo, moradores fazem testes a cada 48 horas, se precisam sair da cidade; em Guangzhou, um caso suspeito resultou em centenas de voos suspensos.
Como Pequim passou a registrar dezenas de casos diários, rapidamente foi determinada a suspensão de festas, reuniões para casamentos e funerais, com proibição de jantar em restaurantes e reuniões em academias, cinemas e shopping centers. Escolas estão fechadas a partir desta semana, sem prazo de retorno. Também foram bloqueados alguns prédios comerciais e condomínios residenciais, porque detectaram que moradores monitorados estiveram em áreas de risco. O teste de PCR negativo de 48 horas passou a ser exigido a partir da quinta-feira, 5, para se frequentar espaços públicos e atividades esportivas, enquanto mais 4 mil leitos são improvisados para atendimento de novos casos de Covid-19.
A rapidez das medidas é uma tentativa de evitar o lockdown de toda Pequim, como ocorreu em Xangai. Candidato à reeleição, Xi Jinping depende do alto escalão do PCC, que decidirá seu destino nos próximos cinco anos. Por isso, é fundamental não enfurecer a casta política que reside na capital do país.