Desde a semana passada, a tensão tem aumentado, com mais investidas de Bolsonaro. O ministro Luís Roberto Barroso, poucos dias após o STF condenar o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PTB-RJ) e o presidente perdoá-lo, disse que há uma tentativa de uso das Forças Armadas para atacar e desacreditar o processo eleitoral brasileiro. As reações foram imediatas, sobretudo no meio militar.
Na noite de domingo, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, emitiu uma nota para rebater as declarações de Barroso e afirmou ver “ofensa grave”. Nesta segunda-feira, 25, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, general da reserva Luiz Eduardo Ramos, disse que as tropas estão “sempre vigilantes”. Já o vice-presidente, general da reserva Hamilton Mourão, afirmou que as Forças Armadas “não são crianças para serem orientadas”.
No STF, o respaldo dos militares à ofensiva de Bolsonaro foi interpretado como uma tentativa de ofuscar acusações de mau uso de dinheiro público por parte das Forças Armadas, como a compra de comprimidos do remédio Viagra. Convencidos de que os movimentos de Bolsonaro têm por trás uma ação bem planejada para a disputa eleitoral, magistrados não querem dar palanque para o presidente.
Na avaliação de ministros do STF, o apoio do Congresso a Silveira – condenado pela Corte a oito anos e nove meses de prisão por estimular atos antidemocráticos – não é especificamente ao deputado, mas tem ligação com o espírito de corpo que permeia as relações no Poder Legislativo.
CONSTITUCIONAL
Ao participar da abertura da 27.ª Agrishow – Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação –, em Ribeirão Preto, Bolsonaro disse que o decreto de perdão a Silveira é “constitucional” e “será cumprido”.
“(Quero) dizer a vocês (...): decreto da graça e do indulto é constitucional e será cumprido. No passado, soltavam bandidos, ninguém falava nada. Hoje, eu solto inocentes”, afirmou o presidente, que, mais adiante, se referiu à demarcação de terras indígenas.
À plateia do evento, ele elevou o tom de confronto à Corte e ameaçou descumprir a decisão do Supremo sobre demarcação de terras indígenas, caso o novo marco temporal seja aprovado. “Vocês sabem que, dentro do Supremo, tem uma ação que está sendo levada adiante pelo ministro (Edson) Fachin, querendo um novo marco temporal. Se ele conseguir vitória, restam duas coisas: entregar a chave para o Supremo ou falar que não vou cumprir. Eu não tenho alternativa”, disse Bolsonaro, em uma referência ao ministro relator da ação do marco temporal.
As declarações foram feitas um dia depois de Barroso, ex-presidente do TSE, dizer em um evento com estudantes brasileiros de Berlim que “é preciso ter atenção ao retrocesso cucaracha de colocar o Exército envolvido com política”. De acordo com o ministro, as Forças Armadas foram orientadas a promover ataques contra as eleições no Brasil.
Em nota oficial, o ministro da Defesa reagiu. “O Ministério da Defesa repudia qualquer ilação ou insinuação, sem provas, de que elas (as Forças Armadas) teriam recebido suposta orientação para efetuar ações contrárias aos princípios da democracia”, diz o texto divulgado no domingo.
RECADO
Em julho do ano passado, o Estadão revelou que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), havia recebido duro recado do então ministro da Defesa, Walter Braga Netto, por meio de um importante interlocutor político. O general pedira para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleição neste ano sem "voto impresso e auditável" no País.
À época, o Congresso Nacional ainda não havia rejeitado a proposta de emenda à Constituição que previa o retorno do voto impresso. Bolsonaro repetiu publicamente a ameaça de Braga Netto em outras ocasiões. “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”, disse ele várias vezes. Braga Netto é hoje o nome mais cotado para candidato a vice do presidente.
AGENDA NEGATIVA
Para ministros do STF ouvidos pelo Estadão, as declarações do ministro da Defesa, classificando Barroso como “irresponsável”, seriam, na verdade, uma solução para sair da agenda negativa. Os militares sofreram desgaste de imagem após a divulgação de licitações para compra de Viagra e próteses penianas pelos quartéis.
Embora haja no Supremo ministros que tenham considerado desnecessárias as afirmações de Barroso nessa escalada de ataques, há uma espécie de pacto pelo silêncio a partir de agora. Unidos em busca de uma solução para o impasse criado por Bolsonaro no caso Silveira – dos 11 integrantes da Corte, apenas Kassio Nunes Marques votou pela absolvição do parlamentar –, os magistrados combinaram de evitar mais exposição para a Corte em um momento delicado.