A última estratégia de Jair Bolsonaro para forçar a aprovação do Projeto de Lei 191/2020, que libera mineração, agronegócio e obras de infraestrutura dentro de terras indígenas, é usar a guerra na Ucrânia como chantagem.
Segundo declarações recentes do presidente, a guerra seria uma “oportunidade” para legalizar a exploração em terras indígenas, usando como argumento a dependência externa que o Brasil tem de fertilizantes, importados em grande parte da Rússia e da Bielorrússia.
Eu avaliei dois estudos recentes do governo brasileiro e a afirmação de Bolsonaro não se sustenta tecnicamente segundo as informações do próprio Executivo.
Tanto a avaliação sobre o potencial de potássio em bacias do Amazonas e do Pará publicado pelo Serviço Geológico do Brasil em 2020 quanto um estudo da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos sobre fertilizantes de 20/21 não citam em nenhum momento as reservas em terras indígenas como suposto impeditivo para o desenvolvimento da indústria de fertilizantes no Brasil.
Os principais problemas apontados são outros e atingem eixos da política econômica do governo.
Segundo a secretaria comandada pelo militar Flávio Rocha, os problemas que o mercado brasileiro de fertilizantes encontra são a concentração do setor na mão de poucas empresas, a falta de investimento em novas tecnologias, grande desperdício, deficiências de logística e a indexação do preço à variação cambial do dólar americano.
Nas mãos de Paulo Guedes, o dólar bateu recordes e segue acima dos R$ 5, patamar que só seria atingido se a equipe econômica “fizesse muita besteira”, segundo o próprio Guedes, que lucrou muito com a disparada da moeda americana em função das suas offshores no exterior. Diante do desastre, Guedes passou a “não ver problema” no dólar alto, que seria bom para “atrair investimentos estrangeiros”.
A Secretaria de Assuntos Estratégicos discorda.
A variação cambial do dólar afeta duramente o setor de fertilizantes, diz o estudo, e penaliza “todos os empreendimentos agrícolas que dependem do insumo, principalmente o pequeno e o médio produtor rural”.
Indo além, a Secretaria diz que “tal situação dificulta sobremaneira qualquer programa de incentivo à produção rural de gêneros alimentícios que não sejam commodities para exportação, com preços também indexados ao dólar americano”.
Ou seja: essa política predatória é nociva especialmente ao agricultor familiar, responsável por 70% da produção de alimentos no Brasil.
Ao analisar a participação do gás natural no setor de fertilizantes, o estudo da Secretaria atinge mais um ponto central da política econômica do governo Bolsonaro: atrelar o preço dos combustíveis e do gás às flutuações do mercado internacional. O Executivo, após mais de 1 ano com reajustes consecutivos que quase dobraram o preço da gasolina e fizeram a Petrobrás lucrar R$ 106 bilhões em 2021 – recorde – agora admite mudar a estratégia e não repassar todo o peso ao consumidor, algo que foi alterado no governo de Michel Temer.
Como o gás natural é insumo fundamental para a indústria de fertilizantes, diz o estudo, que destaca o PL 6.047 de 2013, que existe a necessidade de “de estabelecimento de uma política de preços de gás natural transparente e competitiva, razão pela qual se propõe o retorno do controle de seus preços e dos critérios de reajuste, os quais passariam a ser “estabelecidos, em ato conjunto, pelos Ministros de Estado de Fazenda, de Minas e Energia e de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior”.
Reconhecendo que a medida é “controversa e deve ser pesada com cautela”, a Secretaria também diz que “há relevância na proposta”.