Bolsonaro aceitou a sugestão, dada por Tércio Arnaud, assessor palaciano e integrante do Gabinete do Ódio, para que se deixasse filmar numa sequência repugnante enquanto comia frituras com farofa de dendê na periferia de Brasília. A ideia era vendê-lo como alguém “popular” quando se divulgava a informação dos exorbitantes gastos secretos com o cartão de crédito corporativo da Presidência – 29,6 milhões entre 2019 e 2021, 18% acima dos gastos de Dilma e Michel Temer, somados, no período 2015 a 2018. Ou seja, queria cobrir com farinha amarela os escandalosos gastos no cartão corporativo do Palácio.
Uma vez gravado o vídeo bizarro, Bolsonaro autorizou o compartilhamento da peça de “propaganda” nas redes sociais de assessores e até do ministro das Comunicações, Fábio Faria. Depois da péssima repercussão política (e mesmo familiar: Michelle Bolsonaro reclamou da sequência sebosa), ordenou a retirada do filme dos perfis de quem o postou e está sob seu comando. O “marketing reverso”, contudo, estava sacramentado. Uma bronca colérica foi dada em Arnaud, que se responsabilizou pela mal sucedida tentativa de apagar a má repercussão dos gastos com cartões corporativos produzindo uma imagem de “presidente popular” que se revelou repulsiva e soou fake desde o primeiro momento.
Na manhã desta 2ª feira, 31/01, Bolsonaro aproveitou uma solenidade da Petrobras e o fato de ter o presidente da estatal, o general da reserva Silva e Luna, ex-comandante do Exército de Dilma Rousseff e ex-ministro da Defesa no período de Michel Temer, no auditório e proclamou duas mentiras: Lula já teria convidado o ex-ministro José Dirceu para assumir sua Casa Civil e a ex-presidente Dilma para o Ministério da Defesa.
Dirceu e Dilma, dois dos quadros políticos melhor preparados da República, têm todas as credenciais para ocupar os postos designados a eles por Jair Bolsonaro. Contudo, a mentira presidencial foi dita em local estratégico e caro à turma dele: ao pé do ouvido de Silva e Luna, integrante do corpo de generais da reserva que conspirou contra Dilma Rousseff entre 2015 e 2016 e assumiu a Defesa na esteira do golpe montado por Temer, Eduardo Cunha e Aécio Neves.
A mentira presidencial tinha endereço: a caserna
O objetivo de Bolsonaro era criar ruídos na caserna, confundir o “Partido Militar”, que está dividido e atarantado ante os sinais trocados emitidos por Hamilton Mourão, o vice, general de pijama; por Braga Netto, outro militar metido em ceroulas e coturno que despacha no Ministério da Defesa e não esconde de ninguém o sonho de ocupar a vaga de Mourão como vice-presidente na tentativa de reeleição bolsonarista; por Santos Cruz, o general da reserva que se filiou ao Podemos de Sérgio Moro e oscila entre Brasília e Rio de Janeiro para iniciar carreira política. Ao dizer o que disse, arrancando um sorriso cúmplice de Luna e Silva, o que Bolsonaro queria era usá-lo como moleque de recados para o âmago do “círculo de fogo” do Forte Apache (como é conhecido o Quartel General do Exército em Brasília).
A bússola política do bolsonarismo perdeu o Norte quando o PP de Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil, e o PL do próprio presidente, apresentaram a Jair Bolsonaro um compilado analítico e crítico de pesquisas quantitativas e qualitativas que encomendaram. O homem que ainda está sentado na cadeira presidencial, e tem certeza de que irá enfrentar diversos processos judiciais destinados a colocá-lo na cadeia quando levantar dela e entregar a faixa ao sucessor, recebeu em números fartos a de todas as formas possíveis a pior notícia que lhe poderiam dar: contra o ex-presidente Lula, deverá amargar uma derrota eleitoral histórica – possivelmente em 1º turno.
Candidato mais do que consolidado, navegando entre índices de intenção de voto que lhe concedem entre 42% e 45% no 1º turno, o que deixa o pleito de outubro, a preço de hoje, próximo de ser resolvido numa rodada só (como ocorreu em 1994 e 1998, com Fernando Henrique Cardoso), Lula (PT) tem preocupações diametralmente opostas. Ao ex-presidente é concedida a liberdade de se mostrar amplo, majestático e magnânimo como devem ser os estadistas. Há tensões internas nas legendas de esquerda em razão da amplitude das alianças que vão até à centro-direita? O ex-presidente posa de conciliador. Há tensões no mercado financeiro, com uma ou outra voz querendo brincar de lembrar pavores e temores ultrapassados com a ascensão do PT? O petista relembra que não fez loucura alguma enquanto foi governo, que não rompeu contratos, que não revogou leis de mercado.
Lula é a imagem da conciliação, do entendimento, das saídas; Bolsonaro, da desordem, do caos, do jogo sujo. Eis a síntese do quadro político.
Além de beber o café frio dos patos mancos (lame ducks, como definem os norte-americanos aqueles cujo poder está no outono), de ver fantasmas atrás das portas e de enxergar em casa aliado de ocasião um traidor em potencial, Bolsonaro tem sido cobrado a apresentar uma habilidade que nunca teve para construir pontes destinadas a resgatá-lo das situações institucionalmente tensas criadas por ele mesmo.