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29/01/2022 às 20h09min - Atualizada em 29/01/2022 às 20h09min

Comunidade ucraniana no Brasil vê viagem de Bolsonaro à Rússia com ceticismo

PEDRO LOVISI
https://www.msn.com/pt-br
FOTO: Antonio Molina/Folhapress
A viagem do presidente Jair Bolsonaro (PL) a Moscou para se encontrar com Vladimir Putin, em fevereiro, é vista com ceticismo pela comunidade ucraniana no Brasil. Nas últimas semanas, as tensões entre a Rússia e potências ocidentais, que acusam o Kremlin de querer invadir a Ucrânia, ganharam força, depois de uma série de reuniões mostrarem que o caminho diplomático, até agora, não trouxe grandes avanços.
 

Para Vitorio Sorotiuk, presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira (RCUB), a visita será bem-vinda caso o líder brasileiro se comporte como Annalena Baerbock, ministra das Relações Exteriores da Alemanha, que, em Moscou, disse ao chanceler russo, Serguei Lavrov, que se a Rússia invadir a Ucrânia haverá consequências. "O que não pode é ele ir para afirmar que não tem nada a ver com o conflito."

O Kremlin, que deslocou mais de 100 mil soldados para regiões próximas do país vizinho, teme que Kiev se junte à Otan, a aliança militar ocidental, o que aumentaria a influência dos Estados Unidos e de países europeus às portas da Rússia. Atualmente, a organização já abriga os Estados bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia), ex-repúblicas da União Soviética, algo que Putin também gostaria que fosse revertido.

A organização ligada aos ucranianos no Brasil enviou no último dia 17 uma carta ao ministro das Relações Exteriores, Carlos França, pedindo que o país se posicione sobre a crise. No documento, a RCUB cita o atual mandato do Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas e defende que é função do país "defender, nos foros internacionais, a Constituição, que prega a autodeterminação dos povos, a não intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz e a solução pacífica dos conflitos".

A carta, porém, de acordo com a representação, não foi respondida pelo governo brasileiro.

Newsletter Lá fora Receba no seu email uma seleção semanal com o que de mais importante aconteceu no mundo; aberta para não assinantes. *** Uma semana antes, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, responsável pela diplomacia americana, alertou por telefone o chanceler brasileiro sobre a "necessidade de uma resposta forte e unida" contra uma eventual ofensiva russa na Ucrânia. O Itamaraty, no entanto, adotou um discurso moderado e defendeu a relevância "de encontrar uma solução conforme o direito internacional".

Felipe Oresten, presidente da Sociedade Ucraniana do Brasil, também defende uma postura dura por parte de Bolsonaro. "Espero que o Brasil exija que a Rússia pare com as ameaças de agressão e respeite a soberania de cada país. Se a Ucrânia quer entrar na Otan, ela tem esse direito", afirmou ele, desconsiderando as regras do clube militar, que vetam o ingresso de países com disputa territoriais.

Estima-se que haja cerca de 600 mil descendentes de ucranianos no Brasil, segundo a Representação Central Ucraniano-Brasileira. A maior parte (81%) está localizada no Paraná, e os demais estão espalhados pelo norte de Santa Catarina, além de Porto Alegre e São Caetano do Sul, em São Paulo.

Colonizada a partir do final do século 19, Prudentópolis, a 210 km de Curitiba, abriga construções com arquitetura semelhante às encontradas na Ucrânia e realiza eventos que celebram a cultura do país, com, por exemplo, a fabricação de pêssankas, os ovos de galinha e de ganso pintados à mão.

No último dia 22, quando comemoraram o Dia da Unificação da Ucrânia, as igrejas Greco-Católica e Ortodoxa no Brasil organizaram orações pelo país. A campanha teve adesão da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos), e as preces foram repetidas em várias igrejas católicas. Quatro dias depois, foi a vez de o papa Francisco organizar uma oração coletiva pedindo que o conflito não se agrave.

Bolsonaro, no entanto, não deve atender aos desejos dos descendentes de ucranianos no Brasil. Na quinta (27), o presidente, que deve ficar em Moscou de 14 a 17 de fevereiro, chamou Putin de conservador ao responder à pergunta de um apoiador, curioso para saber se o líder russo era "gente da gente". Na ocasião, também disse que a visita servirá para "melhores entendimentos" e "relações comerciais" com a Rússia.

No ano passado, o Brasil exportou US$ 1,58 bilhão para Rússia e importou US$ 5,7 bilhões, de acordo com dados do Ministério da Economia. Já em 2015, último ano completo dos governos petistas, o país exportou US$ 2,46 bilhões para os russos e importou US$ 2,2 bilhões.

Três dias antes da declaração de Bolsonaro, o vice Hamilton Mourão (PRTB), para quem o conflito nada tem a ver com o Brasil -"Somos do continente da paz"-, disse que a viagem pode ser cancelada caso a situação evolua para uma guerra. Procurados, o Itamaraty e a Presidência não responderam os questionamentos enviados pela Folha de S.Paulo sobre possíveis consequências diplomáticas da visita.

O presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, o deputado Aécio Neves (PSDB), afirmou por meio de nota que a viagem de Bolsonaro já estava marcada quando as tensões entre as potências globais se intensificaram e que a agenda bilateral do Brasil com a Rússia é bastante extensa. "Isso apenas já justificaria a manutenção do diálogo e da visita", disse.

Para Angelo Serillo, professor de história da USP e autor do livro "Os Russos", Bolsonaro não repetirá na viagem as ameaças feitas por outros líderes mundiais a Putin. "O presidente não tem a preocupação de seguir a cartilha de Joe Biden; se fosse do [Donald] Trump, até teria. Não está na cabeça dele a ideia de ter que seguir um caminho politicamente correto quanto aos valores do Ocidente e em relação à Rússia."

Serillo também defende que o encontro tem pretensões mais políticas do que econômicas. "Desde que Trump foi derrotado, Bolsonaro está isolado internacionalmente. Ele vai à Rússia para sair desse isolamento." Depois de passar por Moscou, o presidente brasileiro deve se reunir em Budapeste com o premiê húngaro, Viktor Orban, que, assim como ele e Putin, tem histórico de atuar contra a oposição e a imprensa, além de defender pautas conservadoras, como o combate à chamada "ideologia de gênero".


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