Os recentes episódios em que as Forças Armadas demonstraram distanciamento do governo do capitão reformado do Exército Jair Bolsonaro (PL) são ao mesmo tempo sinalização de posição e aceno a outros candidatos na disputa presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente.
Segundo a Folha ouviu de oficiais-generais das três Forças, apesar de a interlocução com o petista ser basicamente inexistente neste momento, os eventos falariam por si e serviriam para tirar o bode de um golpe militar contra Lula em caso de vitória em outubro.
Nas duas últimas semanas, alguns fatos se colocaram na sempre espinhosa relação entre os militares e Bolsonaro, a saber:
O conjunto de eventos, dizem fardados em altos postos do serviço ativo, estabeleceu de saída no ano eleitoral uma linha divisória entre a balbúrdia presidencial e as Forças.
Mais que isso, buscou dizer aos candidatos ao Planalto que, independentemente de quem vença a eleição, a Força se manterá neutra. Os atos foram necessários já que, do ponto de vista de imagem, o caráter militar do governo Bolsonaro causa justificável apreensão da esquerda à direita.
O foco, dizem generais, almirantes e brigadeiros, é, claro, Lula. O petista até tentou estabelecer uma ponte com os fardados no ano passado, mas não foi bem-sucedido.
Há entre os militares um sentimento refratário ao petista devido ao que consideram leniência com a corrupção, tanto que a candidatura de Sergio Moro (Podemos), o ex-juiz que colocou o petista na cadeia por 580 dias, levantou interesse em setores fardados.
Por outro lado, na cúpula, há o pragmatismo de que hoje Lula é o favorito para vencer a eleição. A leitura benigna é de que os militares buscam reiterar isenção; a mais maquiavélica é a de que não querem revanchismo por parte do novo chefe, caso o petista volte ao poder.
De todo modo, todos os ouvidos lembram o que chamam de tempos de vacas gordas sob Lula, quando a bonança internacional das commodities e uma gestão fiscal responsável até a etapa final de seu mandato permitiram o reequipamento das Forças com programas como o de submarinos, de caças e de blindados.
Segundo interlocutores do ex-presidente, ele ainda vê com reserva o comportamento do Exército em 2018, quando o então comandante Eduardo Villas Bôas pressionou o Supremo Tribunal Federal em um tuíte para não conceder habeas corpus que evitaria sua prisão.
Por outro lado, dizem que não acreditam haver óbice institucional algum numa eventual relação, e que Lula tem compreendido os sinais de fumaça que vêm da caserna.
No caso do Exército, o entrechoque deste mês não provocou nenhuma crise de maior monta, a não ser questionamentos sobre a questão da Covid-19 que não foram em frente do ministro da Defesa, general da reserva Walter Braga Netto.
Já no de Barra Torres, que enfatizou em sua nota cobrando que Bolsonaro ou recuasse, ou se retratasse, a situação ficou algo em aberto. O Comando da Marinha avalizou os termos do almirante, que enfatizou sua condição de oficial-general médico da reserva ao longo do texto.
Bolsonaro buscou ignorar o episódio para o dar como encerrado, dizendo que não tinha colocado a integridade da agência em dúvida —só para repetir insinuações.
O padrão tem irritado comandantes militares, ciosos de que a sinergia entre o governo Bolsonaro e as Forças é algo difícil de ser extirpada da mentalidade pública.
Como deixou claro livro-depoimento de Villas Bôas, editado no ano passado, os militares operaram uma volta à política nas costas de Bolsonaro quando foi exacerbado o sentimento antipetista na cúpula fardada.
Soldado indisciplinado e processado por isso, o então deputado era visto com desprezo por generais, até que um grupo na reserva atentou a seu potencial eleitoral e viu uma possibilidade de volta ao poder. O serviço ativo aquiesceu, e forneceu quadros para o novo governo.
Ao longo de 2019 e 2020, a relação foi turbulenta, dado que Bolsonaro usava a proximidade de forma instrumental na sua disputa com outros Poderes, notadamente o Judiciário, cuja cúpula é malvista entre os fardados. Por outro lado, os militares obtiveram, além de cargos, reforma de carreira e de Previdência que pediam havia 20 anos.
O sucessor de Villas Bôas, Edson Leal Pujol, chocou-se diretamente com Bolsonaro e acabou derrubado, no escopo da crise militar que levou toda a cúpula da Defesa em março passado.
Seu sucessor, Paulo Sérgio Oliveira, vem navegando com mais habilidade, embora tenha tido de ceder ao não punir Eduardo Pazuello quando o general intendente da ativa, ex-ministro da Saúde, foi a ato político com o presidente.
Tanto foi assim que, na sequência dos dois episódios recentes, ele se reuniu com Bolsonaro, que afirmou estar tudo bem na relação com sua antiga casa militar.
Na prática, os militares saíram dos holofotes desde que o presidente baixou o tom de seu embate com Poderes e firmou a aliança com o centrão, depois da crise aguda do 7 de Setembro de 2021. Como as falas recentes de Bolsonaro sugerem, isso é bastante frágil como arcabouço.
Oficiais da ativa se queixam dos movimentos dos generais de terno no governo. As conversas mais recentes giram em torno de Braga Netto, que foi ministro da Casa Civil antes de assumir a Defesa na esteira da crise de março.
Ele se mostrou um dos mais bolsonaristas dos militares no governo e tem seu nome especulado para ocupar a vaga do também general de quatro estrelas da reserva Hamilton Mourão como candidato a vice-presidente na chapa governista.
Há dúvidas se o centrão, que na prática irá governar neste último ano com a cessão de poderes orçamentários à Casa Civil sob o comando do PP, terá apetite para indicar um vice.
O apoio e a bancada que será eleita mesmo que Bolsonaro patine abaixo dos 20% no primeiro turno podem ser suficientes, sem carregar o eventual caixão político do presidente de forma tão explícita.
Neste caso, Braga Netto surge forte, até porque ele é visto como um cumpridor de ordens. O arranjo é apoiado por Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), que segundo aliados quer ocupar a Defesa neste último ano de mandato.