Ao menos 3 deputados votaram remotamente na PEC dos Precatórios na última 5ª feira (4.nov.2021) mesmo sem estar efetivamente no desempenho de missões oficiais fora do país. Para especialistas ouvidos pelo Poder360, a participação na sessão deveria ser considerada irregular.
Eles consideram que o ato editado pela Mesa Diretora da Câmara que permitiu a deputados em viagem autorizada pela Casa para missões oficiais votarem à distância determinava que a regra valeria para quem estivesse no efetivo desempenho da missão. Esse não era o caso dos 3 deputados identificados pela reportagem.
A mudança foi publicada no Diário Oficial da Câmara horas antes da votação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, na 4ª feira (3.nov.2021).
A oposição criticou a manobra e viu nela uma forma de o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o governo assegurarem votos favoráveis à proposta. A PEC foi aprovada em 1º turno com apenas 4 votos a mais do que o necessário.
A reportagem identificou que os deputados Marco Feliciano (PL-SP), Zé Silva (Solidariedade-MG) e Rodrigo Agostinho (PSB-SP) não estavam em Brasília no dia da votação, mas também não haviam iniciado ou já haviam encerrado suas viagens para missões no exterior.
Especialistas ouvidos pelo Poder360 avaliam que a regra autoriza a votação remota para quem estiver no desempenho da missão oficial. Nesse caso, deputados que ainda não tivessem embarcado ou que já tivessem retornado de suas viagens não poderiam votar estando fora de Brasília. O Poder360 apurou que líderes de partidos concordam com a tese.
“Ao dispensar o registro biométrico sem nenhum controle adicional, a portaria abriu caminho para dribles à norma, permitindo que parlamentares que estavam no Brasil se valessem dela. O texto também fala em desempenho de missão no exterior. Como retornaram anteriormente, já não estavam no desempenho da missão”, disse o especialista em Direito Público, Eduardo Ubaldo Barbosa.
Para Caio Morau, advogado e professor da Universidade Católica de Brasília, os termos do ato são claros. “Se a pessoa já estivesse em território brasileiro ela não estaria mais nessa situação descrita pelo ato. Esse tipo de situação poderia criar uma discussão sobre a possível anulação desses votos”, disse. Ele afirma ainda ser prerrogativa do comando da Câmara alterar o regimento interno, mas ressalta que é preciso ter critérios bem observados para que o voto seja computado.
Feliciano informou ao Poder360 na 4ª feira, pouco antes da votação da PEC, que havia voltado mais cedo de missão na África. De acordo com documento da Câmara, ele estava licenciado para missão oficial de 26 de outubro a 5 de novembro, mas retornou ao Brasil em 3 de novembro. Disse que estava fora de Brasília, mas que participaria remotamente da sessão devido ao ato da Mesa Diretora.
O deputado Zé Silva, por sua vez, está autorizado a viajar em missão oficial entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro para participar da COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) em Glasgow, na Escócia, mas, de acordo com sua assessoria, ele estava em Minas Gerais no dia da votação.
O deputado Rodrigo Agostinho estava em Bauru (SP) na hora da votação. De acordo com sua assessoria, ele votou por causa do ato da Mesa Diretora e porque embarcou no dia seguinte para Glasgow.
Feliciano e Zé Silva votaram a favor da aprovação da PEC e Agostinho, contra.
STF
A autorização para votação remota é questionada em ao menos 3 ações ajuizadas no STF (Supremo Tribunal Federal). Todos os casos estão sob a relatoria da ministra Rosa Weber, que já pediu explicações à Câmara.
Uma das ações foi movida pelos deputados Alessandro Molon (PSB-RJ), Joice Hasselmann (PSDB-SP), Fernanda Melchionna (Psol-RS), Kim Kataguiri (DEM-SP), Marcelo Freixo (PSB-RJ) e Vanderlei Macris (PSDB-SP). Eis a íntegra do pedido (618 KB). As outras foram ajuizadas pelo PDT (íntegra, 445 KB) e pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (íntegra, 665 KB).
Os 3 processos dizem que a sessão que aprovou a PEC violou o regimento interno da Câmara ao permitir que deputados licenciados por viagens oficiais votassem. Não mencionam, no entanto, os deputados que estavam no Brasil quando votaram.