Uma venda generalizada de ativos brasileiros dominou o mercado doméstico nesta quarta-feira e cobrou seu preço na taxa de câmbio, com o dólar experimentando a maior alta em 15 meses e indo acima de 5,30 reais, conforme investidores estrangeiros e locais se desfizeram de posições em meio a temores de acirramento da crise institucional doméstica e de seus potenciais desdobramentos sobre as contas públicas e o crescimento econômico.
Uma onda de “stop loss” (ordens automáticas para minimizar perdas) fez o dólar de uma só vez deixar para trás todas as suas principais médias móveis –de 50 (5,1988 reais), 100 (5,2142 reais) e 200 dias (5,3173 reais). Um eventual fracasso no dólar na quinta-feira em voltar abaixo pelo menos da média de 200 dias pode servir de combustível para mais compras da moeda norte-americana.
Ao longo da tarde, o noticiário mais frequente sobre paralisações em estradas federais por caminhoneiros se somou ao clima já bastante azedo depois do tom belicoso do presidente Jair Bolsonaro em discurso em São Paulo no 7 de Setembro. A leitura de que o chefe do Executivo pode estar mais isolado e mais vulnerável a renovadas pressões por impeachment também pesou.
“Tivemos Joesley Day, coronaday, Petroday e agora BolsonaroDay”, comentou Alfredo Menezes, sócio-gestor na Armor Capital, referindo-se a dias em que houve forte depreciação dos ativos brasileiros.
“O foco agora para o mercado é o movimento de caminhoneiros, notícias de algumas paralisações. Seria horrível para o PIB e o fiscal. Pode ser um grande tiro no pé”, completou.
O mercado já abriu com reação negativa às falas de Bolsonaro na véspera e durante a manhã ficou na expectativa por declarações do presidente do STF, ministro Luiz Fux, e de figuras importantes do Legislativo.
O discurso de Fux foi considerado duro, enquanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a Casa atuará como uma ponte de pacificação entre o STF e o governo. Lira evitou falar de impeachment e pontuou que cada um dos Poderes tem as suas delimitações e deve se limitar a seu raio de ação.
“O incentivo do Bolsonaro é brigar… E agora gasolina, dólar, inflação… todos esses assuntos sumiram (da pauta do governo)”, disse um gestor de uma grande instituição financeira na capital paulista, avaliando que o mercado ainda tem espaço para piorar antes de qualquer alívio mais consistente.
O forte ajuste nos preços reflete ainda a percepção de que o melhor dos cenários agora pode se limitar a evitar uma deterioração adicional.
“(Bolsonaro) esticou demais a corda… Na minha visão o governo já perdeu toda a capacidade de fazer reformas decentes. Agora, quanto menos fizer e gastar tempo com isso, melhor”, disse Joaquim Kokudai, gestor na JPP Capital. O profissional diz que suas posições em caixa (as mais conservadoras) têm espaço para aumento e “provavelmente é o que acontecerá”.
“Se conseguir manter o teto de gastos já vai ser uma ótima notícia”, resumiu o gestor.
O dólar à vista saltou 2,84% no fechamento, para 5,3236 reais. É a maior valorização percentual diária desde 24 de junho de 2020 (+3,33%), quando a pandemia de Covid-19 estava no auge em termos de perturbações no mercado.
O patamar do dólar é o mais alto desde o último dia 23 (5,3823 reais). O real teve, de longe, o pior desempenho entre as principais moedas globais nesta sessão.
Entre outros mercados domésticos, os juros futuros de longo prazo –que medem o custo do dinheiro para investimentos empresariais– chegaram ao fim da tarde em disparada de 27 pontos-base, e o principal índice das ações brasileiras tombou 3,78% (dados preliminares), maior queda desde 8 de março deste ano. [.SAPT]