A alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, alertou nesta terça-feira (24/08) ter recebido relatos confiáveis de graves abusos em áreas controladas pelo Talibã no Afeganistão, incluindo execuções sumárias' de civis e de membros das forças de segurança que depuseram suas armas, além de restrições sofridas por mulheres.
Falando durante uma sessão emergencial sobre o Afeganistão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, Bachelet apelou para que o órgão, sediado em Genebra, na Suíça, tome uma atitude "ousada e vigorosa" para monitorar a situação dos direitos no Afeganistão, onde a tomada relâmpago do poder pelo Talibã levantou temores de que eles irão devolver o país ao regime brutal imposto quando o grupo esteve no poder pela última vez.
Quando governou o Afeganistão entre 1996 e 2001, o Talibã confinava as mulheres em suas casas, proibiu a televisão e música, cortava as mãos de supostos ladrões, promovia apedrejamentos e execuções públicas.
Os líderes do Talibã prometeram recentemente restaurar a segurança e tentaram projetar uma imagem de moderação nos últimos dias. Mas muitos afegãos veem tal postura com ceticismo e estão correndo para deixar o país, provocando caos no aeroporto internacional de Cabul.
"A responsabilidade agora recai totalmente sobre o Talibã para traduzir esses compromissos em realidade'', disse Bachelet ao conselho de 47 Estados-membros e que é o principal órgão de direitos humanos da ONU.
"Neste momento crítico, o povo do Afeganistão olha para o Conselho de Direitos Humanos para defender e proteger seus direitos'', disse ela. "Eu exorto esse conselho a tomar medidas ousadas e vigorosas, proporcionais à gravidade desta crise, estabelecendo um mecanismo destinado a monitorar de perto a evolução da situação dos direitos humanos no Afeganistão.''
Por "mecanismo", Bachelet se refere à possibilidade de o conselho nomear uma comissão de inquérito, relator especial ou missão de investigação sobre a situação no Afeganistão.
Além de relatos de execuções sumárias de civis e antigos membros das forças de segurança que não estavam mais em combate, Bachelet citou relatos de recrutamento de crianças para servirem como soldados e restrições aos direitos das mulheres de se locomoverem e de meninas para irem à escola. Ela citou ainda repressão de protestos pacíficos e de manifestações de dissidência.
Em meio a relatos dispersos, tem sido difícil determinar o quão generalizados são os abusos e se eles refletem que os líderes do Talibã estão dizendo uma coisa e fazendo outra.
Dias antes, um grupo de inteligência privado baseado na Noruega que fornece informações à ONU, disse ter obtido evidências de que o Talibã tem promovido caçadas a dissidentes de porta em porta, prendendo afegãos que constavam em uma lista negra de pessoas que eles acreditam ter trabalhado em funções-chave da administração anterior do Afeganistão ou com as forças lideradas pelos EUA.
Vários afegãos estão escondidos, dizendo temer tais represálias, que ocorrem também contra jornalistas e suas famílias, como no caso de um ataque a parentes de um membro da redação da DW que hoje mora na Alemanha, que deixou um morto e uma pessoa gravemente ferida.
Os países no Conselho de Direitos Humanos da ONU elaboraram uma resolução conjunta, que deve ser aceita por consenso, mas que fica muito aquém das reivindicações de alguns grupos de defesa dos direitos humanos, que pleiteiam a nomeação de um especialista em direitos humanos para monitorar a situação. O texto pede ao escritório de Bachelet que emita um relatório apenas no início do próximo ano.
Líderes das nações do Grupo dos Sete (G7) agendaram reunião para esta na terça-feira para discutir a crescente crise de refugiados e o colapso do governo afegão em meio a discussões sobre se a retirada completa das tropas dos EUA pode ser estendida para além do final do mês para permitir a remoção de mais pessoas em situação de risco.
Funcionários do governo dos Estados Unidos se recusaram a definir se uma ampliação do prazo para retirada é algo provável ou mesmo possível, diante da afirmação de um porta-voz do Talibã alertando que o dia 31 de agosto é uma "linha vermelha'' e que estender a presença americana "provocaria uma reação''.
md/lf (AP, AFP)