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03/07/2021 às 00h11min - Atualizada em 03/07/2021 às 00h11min

STF autoriza inquérito para investigar Bolsonaro no caso Covaxin

Ação é pelo suposto crime de prevaricação após denúncia feita pelos irmãos Miranda

Daniel Adjuto, Anna Satie e Gabriela Coelho, da CNN, em São Paulo e em Brasília
https://www.cnnbrasil.com.br/
Foto: Alan Santos/PR

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, autorizou nesta sexta-feira (2) a abertura de um inquérito para apurar a conduta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no caso da negociação para a aquisição da vacina Covaxin. 

A investigação, pedida mais cedo pela Procuradoria-Geral da República, verificará se Bolsonaro cometeu prevaricação e não tomou as medidas cabíveis diante da denúncia de supostas irregularidades no processo de aquisição dessas vacinas.

A partir da autorização, a Polícia Federal terá, de início, 90 dias para tomar as providências pedidas pela PGR, como a solicitação de informações aos órgãos cabíveis e à CPI, a produção de provas, inclusive através de testemunhas, e a oitiva dos supostos autores. 

Na quinta-feira (1º), Weber havia cobrado uma posição da PGR sobre a notícia-crime apresentada por três senadores à Corte no início dessa semana, pedindo a investigação dos fatos apurados pela CPI.

No dia 25, em depoimento à CPI da Pandemia, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse ter levado as suspeitas ao presidente em março deste ano. Na reunião, o chefe do Executivo teria dito que levaria o caso à Polícia Federal, o que não há indício de que tenha acontecido. 

O que é prevaricação e as possíveis implicações para Bolsonaro

A PGR pediu nesta sexta-feira (2) a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal para investigar o presidente Jair Bolsonaro por prevaricação, após ter sido informado sobre possíveis irregularidades na compra da vacina Covaxin.

A investigação verificará se Bolsonaro prevaricou, ou seja, não tomou as medidas adequadas diante da denúncia.

Prevaricação é um crime funcional, ou seja, que só pode ser cometido por alguém que tenha um determinado ofício, contra a administração pública.  

Ela ocorre quando um funcionário público, propositalmente, atrasa, deixa de fazer ou faz algo indevidamente em benefício próprio.

"Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal."

artigo 319 do Código Penal

 

A pena prevista é de multa e três meses a um ano de detenção. 

Outros casos

Não há notícia de governador ou presidente condenados por esse crime.

Em 2019, Vanderlei Markus, ex-prefeito de Paverama, no Rio Grande do Sul (90 km de Porto Alegre),  foi sentenciado a dois anos e dez meses de prisão em regime aberto por esse motivo, além de subtração de documentos. Ele teria permitido que uma fábrica de alimentos comandada por um apoiador, que não tinha registro no sistema municipal de inspeção nem padrões adequados de higiene, continuasse a produzir e a vender produtos. Ele também tentou dissuadir um funcionário de fiscalizar e adotar as providências para responsabilizar o estabelecimento. 

Outro caso é o de Cícero Amélio da Silva, conselheiro do TCE (Tribunal de Contas do Estado) de Alagoas, que, no mesmo ano, foi condenado pelo mesmo crime. Ele produziu uma declaração falsa que, efetivamente, suspendeu o julgamento das contas do ex-prefeito de Joaquim Gomes (75 km de Maceió), Benedito de Pontes Santos, para que ele não fosse enquadrado na Lei da Ficha Limpa e concorresse a reeleição. 

Em 2015, o tenente-coronel da reserva Moisés Fuchs também foi condenado por prevaricar ao saber que a licença de operação da Boate Kiss, em Santa Maria (RS) estava vencida, mas não tomar nenhuma providência. Em 2013, um incêndio no local matou 242 pessoas. 

O caso Covaxin

Na semana passada, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) detalhou suspeitas de corrupção na negociação de compra da vacina contra Covid-19 Covaxin. 

Ele contou que o irmão, Luis Ricardo Fernandes Miranda, servidor do Ministério da Saúde, teria sofrido pressão para fechar a aquisição, mesmo com irregularidades entre o contrato e a nota fiscal apresentada, que tinha um número de doses diferente e pedia pagamento antecipado.

Em entrevista à CNN e também em depoimento à CPI da Pandemia, os irmãos disseram ter levado o caso ao presidente Jair Bolsonaro, que teria dito que encaminharia o caso para a Polícia Federal, mas não há registro de que isso tenha, de fato, acontecido.

Na notícia-crime, os parlamentares dizem que o presidente teria optado por não investigar o caso.

"Tudo indica que o Sr. Presidente da República, efetiva e deliberadamente, optou por não investigar o suposto esquema de corrupção levado a seu conhecimento pelo deputado federal Luis Miranda e por seu irmão", escreveram.

"A motivação subjacente à sua inação, dados os fatos concretos até aqui delineados, não é relevante do ponto de vista do enquadramento penal de sua conduta, na medida em que a omissão ou se deu por envolvimento próprio no suposto esquema criminoso, ou por necessidade de blindagem dos amigos do Rei, numa nítida demonstração do patrimonialismo que ronda o atual Governo Federal".

O governo nega qualquer irregularidade. 

"Para tristeza de alguns poucos, o governo está completando dois anos e meio sem uma acusação de corrupção. Não adianta inventar vacina, porque não recebemos uma dose sequer dessa que entrou na ordem do dia da imprensa", disse Bolsonaro. "Temos um compromisso, se algo estiver errado, apuraremos, mas graças a Deus, até o momento, graças à qualidade dos nossos ministros, não tivemos um ato de corrupção em dois anos e meio".

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, disse que a PF investigaria as declarações de Luis Miranda. 

Próximos passos

A Polícia Federal (PF) deve ter 90 dias para realizar diligências, que são medidas como buscas e apreensões, análise de documentos e coleta de depoimento de possíveis investigados e testemunhas.

A petição assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, determina os próximos passos que devem ser tomados pelas autoridades.

O primeiro deles é a solicitação a órgãos fiscalizadores, como Controladoria-Geral da União (CGU), o Tribunal de Contas da União (TCU), e a Procuradoria da República no Distrito Federal o compartilhamento de provas sobre a denúncia de supostas irregularidades feitas pelos irmãos Miranda durante depoimento na CPI da Pandemia.

Esse pedido de compartilhamento de provas, aliás, é extensivo também à comissão de investigação no Senado.

Eventual processo depende de aval da Câmara

Vale ressaltar que essa etapa de inquéritos não incorre em nenhum tipo de sanção ou penalidade aos envolvidos, incluindo o presidente Bolsonaro, e nem garante que ele ou qualquer dos investigados será alvo de uma denúncia da PGR.

"Se a PGR analisar todos os fatos, analisar a queixa-crime, provavelmente vai proceder a uma investigação, como se faz com qualquer crime, com o auxílio fundamental da Polícia Federal. Se, na sequência, tiver indícios suficientes de autoria e materialidade do crime, a PGR vai apresentar uma denúncia junto ao STF", afirma Vera Chemim, advogada e mestre em Direito Público.

Além disso, numa próxima etapa, se decidir processar o presidente por prática de crime comum, a PGR deve apresentar uma denúncia ao STF, a quem cabe o julgamento desses casos. O STF, no entanto, precisa de autorização prévia da Câmara dos Deputados para dar andamento ao processo.

Dessa forma, seria papel do atual presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) levar o caso ao Plenário – também é feita uma avaliação pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas ela é apenas uma instrução.

No Plenário da Câmara, a votação é feita por chamada nominal e são necessários os votos de 2/3 dos deputados (342) para que seja aprovada a autorização de abertura de processo contra o presidente da República. Sem isso, o caso é arquivado, e o processo na Justiça fica suspenso até o término do mandato presidencial.


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