Depois de prometer o inferno ao mundo e uma nova era imperial para os Estados Unidos, Donald Trump assinou ou prometeu medidas que falam da natureza autocrática de seu novo mandato não apenas pela essência, mas também pelo fato de que boa parte delas não foi discutida na campanha eleitoral. Desta vez, ele começa o governo ultrapassando o que foi pactuado ou debatido com quem votou nele, prometendo um governo despótico disposto a fazer o que quiser, desafiando os mecanismos de equilíbrio entre os poderes da democracia estadunidense, os tais freios e contrapesos (checks and balances). O teste já começou e veremos se eles vão funcionar ou sucumbir.
A guerra contra os imigrantes começou e esta sim, foi promessa de campanha. Mas nesta questão ele nunca afirmou que iria acabar com direito de nascença à cidadania americana, prevista na Constituição. Dezoito dos 50 estados já prometem questioná-la na Suprema Corte.
Trump nunca disse que iria tirar os Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), medida tomada ontem que ameaça gravemente o sistema global de prevenção de doenças, endemias e pandemias. E, embora não seja surpresa por conta de seu conhecido negacionismo climático, ele também não anunciou uma nova retirada do Acordo de Paris, com tudo o que isso significa para o desafio global de conter o aquecimento do planeta.
Os norte-americanos jamais foram informados, na campanha, que se eleito ele imporia o reconhecimento de apenas dois gêneros, homem e mulher. Certamente pessoas com outras orientações sexuais também votaram nele, e já estão antevendo o que sofrerão.
Era previsível que ele anistiaria os golpistas de 6 de janeiro de 2021 mas não que anularia de uma penada as condenações de 1500 deles, numa gravíssima ofensa ao sistema de Justiça.
Foi também depois de eleito que ele começou a explicitar seu desejo de ser um novo “Alexandre, o Grande”, conquistado e anexando territórios a seu império, como a Groenlândia, o Canal do Panamá, o Canadá, e sabe-se lá quem mais, no futuro. Do Brasil e da América do Sul ele disse ontem não precisar. Esperamos também que não nos ambicione.
Estes são alguns exemplos, numa lista que deve alongar-se nestes dias de euforia e gradiloquência, e nos tempos difíceis que virão. Implementando medidas que não fizeram parte de um programa de governo ele comete um estelionato eleitoral de significado indiscutível: ele quer ser mesmo o grande ditador.
Por ora, os norte-americanos que não votaram nele, e que não concordam com sua plataforma apocalíptica, soçobram entre a resignação, a perplexidade e o cansaço. É o que nos contam de lá.
Trump, entretanto, não tem o poder de moldar o mundo com palavras e ameaças. Muitos males ele ainda fará ao mundo mas em algum momento ele vai tropeçar na realidade.