Improvável que a liberdade de expressão de Zuckerberg seja a mesma de um trabalhador latino-americano. Com uma fortuna de mais de US$ 200 bilhões e dono de um império na Internet, é certo que sua preocupação não é com a liberdade do cidadão médio em compartilhar coisas no Facebook. Uma maior liberdade para Zuckerberg, por sinal, termina inevitavelmente por diminuir a liberdade da grande maioria das pessoas.
Não é coincidência o fato de, na semana do anúncio de Zuckerberg, Trump ter atualizado a Doutrina Monroe e colocado os dentes para fora, expondo o desejo de anexar o Canadá, tomar o controle da Groenlândia e do Canal do Panamá e mudar o nome do Golfo do México para “Golfo da América”.
É bom lembrar que o Brexit e a eleição de Trump em 2016 ocorreram na esteira de uma enxurrada de desinformação nas redes sociais, algo que só foi possível a partir da não-consentida coleta de dados de usuários pelo Facebook e a manipulação do algoritmo pela empresa Cambridge Analytica, influenciando opiniões políticas. Ao menos oitenta sete milhões de usuários do Facebook foram afetados. A rede chegou a ser multada em US$ 5 bilhões pela Comissão Federal de Comércio dos EUA.
Desinformação
Trump agora terá uma avenida aberta para difundir desinformação e gerar a instabilidade política que precisa para dar concretude ao seu expansionismo. E já começou a mentir: disse que soldados chineses têm o domínio do Canal do Panamá, controlando a passagem de navios.
O acirramento da disputa geopolítica com a China e a Rússia é o cenário de suas declarações. As intenções de Trump sinalizam para uma decadência que ficou mais evidente em 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia deu início à guerra na Ucrânia e, em mais de trinta anos, quebrou o monopólio que os EUA e a Otan tinham sobre conflitos armados em escala global.
A expansão do domínio territorial e o acesso a reservas minerais e fontes de valor, na linha do imperialismo clássico, é fundamental para que os EUA se mantenham em pé, sempre de olho no enfraquecimento das soberanias nacionais. As reclamações de Zuckerberg contra a censura são, na verdade, queixas contra mecanismos e instituições nacionais que batem de frente com seus propósitos empresariais e seu alinhamento com a obscenidade imperialista de Trump. Por isso que o aumento de sua liberdade de expressão, na medida em que ataca a possibilidade de países controlarem a ação de multinacionais estrangeiras em seus territórios, acaba afetando a liberdade de quem pega ônibus e usa ticket alimentação.
Quando as redes sociais não existiam, Millôr Fernandes escreveu que os acontecimentos de verdade já não aconteciam: eram fabricados nas poderosas oficinas de comunicação de massa. Também é dele a frase de que os meios de comunicação foram inventados quando ninguém tinha mais nada a dizer.
Gente como Zuckerberg, Trump e Elon Musk ainda têm muito a inventar e a dizer.
Gustavo Freire Barbosa, é advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.
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