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08/10/2024 às 09h50min - Atualizada em 08/10/2024 às 09h50min

O suicídio eleitoral de Marçal e um balanço das eleições municipais

Apesar de despontar como uma nova estrela da extrema-direita, a derrota precoce na disputa pela prefeitura o afasta de ser uma ameaça à liderança de Bolsonaro e Tarcísio.

História de CdB
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Pablo Marçal publica vídeo internado no hospital após ser agredido por José Luiz Datena durante o debate na TV Cultura

Por Josué Medeiros – do Rio de Janeiro

O primeiro turno da eleição para prefeito de São Paulo terminou com o maior suicídio eleitoral da história política brasileira, superando o folclórico episódio de 1985, quando o então candidato Fernando Henrique Cardoso sentou na cadeira de prefeito de São Paulo antes da votação e terminou superado pelo ex-presidente Jânio Quadros.

No dia 4 de outubro, já no avançar da noite, o candidato Pablo Marçal (PRTB) divulgou um laudo falso sobre o uso de drogas do candidato Guilherme Boulos (PSOL). Ainda na própria noite de sexta-feira, a farsa foi rapidamente desmontada pela campanha do deputado federal psolista, e a reação contrária foi generalizada: a imprensa divulgou amplamente a mentira, a justiça bloqueou novamente suas contas nas redes sociais, e todas as lideranças políticas rechaçaram esse ato não apenas como um ataque contra Boulos, mas como um crime contra a democracia.

Até aí, para Marçal, estava tudo bem, mas ele calculou mal o impacto do laudo falso no eleitorado. Para o ex-coach, o vale-tudo de uma fake news com todas as suas digitais serviria para inflamar ainda mais o sentimento antissistema do voto bolsonarista. A manobra, contudo, ampliou sua rejeição em um eleitorado mais diverso, que ainda estava indeciso sobre em quem votar. Ao fim e ao cabo, Marçal cortou sua própria onda e ficou de fora do segundo turno. Ele é jovem e mostrou muita capacidade de representar os anseios da extrema-direita, então o mais provável é que seja uma das novas estrelas deste campo. Porém, ao perder a prefeitura precocemente, não representa mais ameaça à liderança de Bolsonaro e do governador Tarcísio.

Para além de São Paulo, no balanço inicial dos três principais campos da política brasileira, esquerda em torno de Lula, direita tradicional e bolsonarismo, o grande fato novo das eleições de 2024 é a organização da extrema-direita como um campo político próprio, que polarizou as disputas na maioria das capitais, algo que não ocorreu em 2020, quando Bolsonaro era presidente. Exemplos disso são o próprio Marçal, o desempenho de figuras já conhecidas como Alexandre Ramagem no Rio de Janeiro, Bruno Engler em Belo Horizonte e Eder Mauro em Belém, a ascensão de Cristina Graeml em Curitiba, e a consolidação de Fred Rodrigues em Goiânia e André Fernandes em Fortaleza.

Por mais paradoxal que seja, ganhar essas capitais importa pouco para o bolsonarismo, cujo principal projeto é retomar a presidência em 2026. Para o tipo de estratégia eleitoral que a extrema-direita brasileira põe em prática, é mais importante alavancar um sentimento antissistema e de coesão do voto conservador do que apresentar experiências exitosas de governo. Bolsonaro e seus candidatos batem na tecla da insatisfação das pessoas com os políticos e com o estado geral da vida cotidiana, além de insistirem na necessidade de que se sintam representados por alguém que pense como eles. Essa operação alcança 30% do eleitorado sem precisar debater políticas públicas ou propostas.

Prefeituras conquistadas

Com relação à direita tradicional, este campo repetiu o desempenho de 2020 e saiu das urnas com o maior número de prefeituras conquistadas. A mudança que ocorreu foi nos partidos que detêm mais administrações municipais: em 2020, o MDB tinha 797 prefeitos eleitos e o PP 701. O PSD, que era o terceiro com 662, agora é o primeiro com 878, e o MDB caiu para segundo lugar, com 847. O PP vem em terceiro com 743 cidades.

Entretanto, como já vimos em 2022, esses números contam pouco para a disputa presidencial. O país segue polarizado entre Lula e Bolsonaro, e o crescimento da extrema-direita nas capitais prova isso. Outra evidência será a disputa do 2º turno, tanto nas capitais com confronto direto entre esquerda e direita bolsonarista (Aracaju, Fortaleza, Natal e Cuiabá) quanto naquelas em que os candidatos da direita tradicional vão se aliar com Lula contra a extrema-direita (Belo Horizonte e Belém) ou naquelas em que a direita tradicional vai se aliar com Bolsonaro contra a esquerda (Porto Alegre e São Paulo).

Nas condições políticas atuais da economia, do nível de aprovação do governo e da ausência de Bolsonaro na urna, Lula chega em 2026 com boas chances de vitória. O mais provável é que os prefeitos da direita tradicional se dividam entre apoiar a reeleição de Lula ou um candidato apoiado por Bolsonaro, ao invés de se unificarem em torno de um nome da direita tradicional.

Por fim, o balanço sobre a esquerda ainda depende muito dos resultados do segundo turno. Algumas vitórias, especialmente em São Paulo, servirão para fortalecer a posição de Lula nos dois anos finais deste mandato, além de apontar para uma renovação das lideranças deste campo pensando no futuro. Numericamente, o desempenho já é superior ao que foi em 2016, quando as disputas municipais se deram no auge da onda antipolítica impulsionada pela Lava-Jato e pelo golpe parlamentar contra a presidenta Dilma. É também melhor do que em 2020, quando Bolsonaro era o presidente e a pandemia ainda limitava as ações políticas da sociedade civil como um todo e da esquerda em particular.

Josué Medeiros, é cientista político e professor da UFRJ e do PPGCS da UFRRJ. Coordena o Observatório Político e Eleitoral (OPEL) e o Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira (NUDEB).

As opiniões aqui expostas não representam necessariamente a opinião do Correio do Brasil

 

 


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