Onde foi publicado: X (antigo Twitter).
Conclusão do Comprova: É enganoso que Jair Bolsonaro (PL) não esteja inelegível porque estaria protegido por uma convenção internacional da qual o Brasil é signatário, como diz um vídeo divulgado nas redes sociais. O ex-presidente foi declarado inelegível duas vezes pelo plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a primeira em junho de 2023, e a segunda em outubro do mesmo ano. Ambas as vezes por abuso de poder político.
A mulher que fala no vídeo afirma que a motivação utilizada pelo TSE para condenar Bolsonaro vai contra a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica. Por isso, as decisões não teriam validade.
Especialistas em Direito Político, Eleitoral e Constitucional ouvidos pelo Comprova afirmam que esse entendimento não é correto. Primeiramente porque, até que as decisões do TSE sejam reformadas ou revogadas, elas estão valendo.
Segundo porque, embora seja possível discutir se há uma divergência entre a legislação brasileira e a norma internacional, ainda assim o Pacto de San José da Costa Rica encontra-se abaixo da Constituição na hierarquia das leis brasileiras. E no parágrafo 9 do artigo 14, a Constituição prevê a inelegibilidade para a proteção da probidade administrativa, que é o dever de agir com honestidade na administração pública, inclusive contra o abuso do exercício da função.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 21 de dezembro, o vídeo alcançou 49 mil visualizações na rede social X e 881 likes e, no Telegram, ele foi visto 71,4 mil vezes.
Como verificamos: Primeiramente, buscamos entender quais são e o que dizem as leis citadas pela mulher no vídeo e o Pacto de San José da Costa Rica. Em seguida, fizemos contato com especialistas em Direito para entender se as afirmações feitas por ela eram ou não verdadeiras. Entramos também em contato com o perfil que fez a postagem por mensagem no X.
Inelegibilidade
Em 30 de junho de 2023, por por 5 votos a 2, o TSE declarou a inelegibilidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro por oito anos, contados a partir das eleições de 2022. Ficou reconhecida a prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho do ano passado. Walter Braga Netto (PL), que compôs a chapa de Bolsonaro à reeleição pelo PL, foi excluído da sanção, uma vez que não ficou demonstrada sua responsabilidade na conduta. Nesse ponto, a decisão foi unânime.
Em 31 de outubro, com o mesmo placar, o TSE condenou Bolsonaro novamente, dessa vez acompanhado por Braga Netto, por abuso de poder político e econômico nas comemorações do Bicentenário da Independência, realizadas no dia 7 de setembro de 2022 em Brasília e no Rio de Janeiro. Com a decisão, ambos ficaram inelegíveis por oito anos.
Especialistas confirmam que decisões estão valendo
No vídeo, a mulher diz que o artigo 23 do Pacto San José da Costa Rica determina que só podem perder direitos políticos pessoas condenadas em processo penal, o que não é o caso de Bolsonaro. Porém, especialistas em Direito ouvidos pelo Comprova confirmam que as duas decisões do TSE são válidas e que o ex-presidente está inelegível.
“Pode-se dizer que a inelegibilidade pode ser questionada por contrariar o Pacto San José da Costa Rica. Pode-se dizer que a decisão é controversa, em relação ao pacto. Mas dizer que ele não é inelegível, não. Até que as decisões da Justiça Eleitoral a respeito de Bolsonaro sejam reformadas ou anuladas, elas estão valendo”, afirma o advogado e mestre em direito Ludgero Liberato, membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).
Ele esclarece que no sistema legal brasileiro, o Pacto está abaixo da Constituição e acima das demais leis. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal em relação aos pactos e tratados internacionais relativos aos Direitos Humanos que o Brasil aderiu antes de 2004, como é o caso do Pacto mencionado no vídeo desinformativo.
O Brasil se tornou signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica em 1992. Até 2004, todos os tratados e pactos internacionais tinham natureza de lei ordinária. Naquele ano, foi feita uma emenda na Constituição dizendo que aqueles tratados internacionais referentes aos direitos humanos, se passarem pelo mesmo rito de aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), teriam status de Emenda à Constituição. Isso significa que eles teriam que ter aprovação em dois turnos, na Câmara e no Senado, com pelo menos dois quintos dos votos favoráveis.
“Criou-se um problema entre aqueles pactos que entraram em vigor antes da EC 45/2004, como é o caso do Pacto San José da Costa Rica. O entendimento atual do Supremo é que este tratado está abaixo das emendas constitucionais, mas acima das leis ordinárias”, aponta.
O artigo 14 da Constituição Federal, que fala sobre o direito dos cidadãos de votar e serem votados, aponta também alguns casos de inelegibilidade. No parágrafo 9º, está determinado que uma lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade que protejam a probidade administrativa. Entre eles, é citado “a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
Outro argumento é levantado pelo professor da Universidade Federal de Minas Gerais e da PUC-MG José Luiz Quadros Magalhães. Ele afirma que a Constituição cria e define a Justiça Eleitoral e determina quais poderes ela terá.
“O fato é que a Constituição cria a Justiça Eleitoral, uma jurisdição eleitoral e estabelece normas para o funcionamento do processo eleitoral, inclusive a competência dos Tribunais Regionais Eleitorais e do TSE para julgar o que julgou”, avalia.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato com o perfil em que o vídeo viralizou para saber a origem da gravação e quem é a mulher que aparece nas imagens, mas não houve retorno até a publicação deste texto.
O que podemos aprender com esta verificação: Conteúdos desinformativos com frequência se utilizam de informações verdadeiras de forma incompleta ou fora de contexto para confundir. No caso analisado, a mulher ainda utiliza números de leis e jargão jurídico, o que dá a impressão que se trata de autoridade no assunto, ainda que não haja no vídeo identificação de quem ela seja. O uso do “juridiquês” também dificulta o entendimento de pessoas leigas. Para não ser enganado, é importante buscar informações de fontes confiáveis, como os sites oficiais e veículos de imprensa.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: A inelegibilidade de Bolsonaro já foi alvo de desinformação recentemente. O Comprova verificou que mesmo que o PL chegasse à presidência da Câmara, Bolsonaro ainda não mandaria do Brasil. Também mostrou que é falso que dono da Seara atacou eleitores do ex-presidente em vídeo e que é enganoso vídeo que diz que o PT teria oferecido dinheiro para o TSE para tornar inelegíveis integrantes do PL.