Atrás de cada máscara, histórias de vida marcadas pelo cenário de incertezas e pela sensação da falta de controle sobre as diversas variáveis da Covid-19 e seu tratamento. O cansaço das longas jornadas de trabalho nos leitos clínicos e de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), a insegurança do inimigo invisível, a alegria tomada quando o paciente recebe alta médica e, em contrapartida, a tristeza quando um deles perde a batalha para a doença, são alguns dos sentimentos com os quais os profissionais da linha de frente do Hospital da Mulher (HM), localizado no bairro Poço, em Maceió, têm vivenciado há um ano. Não à toa, com a segunda onda da doença causada pelo novo coronavírus, os desafios para eles estão cada vez maiores, sem previsão de término.
É o caso da fonoaudióloga Fabiane Menezes, de 40 anos. No início da pandemia, a iminência de contágio por uma doença desconhecida fez com que ela se sentisse receosa com o incerto e as consequências futuras que a Covid-19 traria para sua vida. Mas, conforme o tempo foi passando, o medo, provocado pela situação estressante, foi sendo minimizado, dando lugar a um olhar ampliado sobre a pandemia, o que refletiu diretamente em seu trabalho com os pacientes.
“Sinto que muita coisa mudou dentro de mim nesse período. Quem está vivenciado isso aqui, durante os sete dias da semana, não passa sem sentir algumas coisas, sem olhar diferente para outras. Comecei a me colocar mais no lugar da outra pessoa, imaginando, caso eu estivesse na mesma situação vivenciada por ela. O trabalho no Hospital da Mulher é coletivo, pois, a meu ver, só é possível vencer essa pandemia com a união de todo mundo, seja dentro de uma unidade hospitalar ou fora dela. Sou extremamente grata por fazer parte dessa equipe, de estar na linha de frente e, sobretudo, ajudar na recuperação dos pacientes, que, para mim, são únicos e muito especiais”, disse Fabiane Menezes.
Dentre os casos que a equipe de fonoaudiologia conseguiu recuperar, a profissional pontuou o da técnica de enfermagem da Central de Esterilização da Maternidade Escola Santa Mônica (MESM), Iris Vitorino. Após ficar 59 dias internada dos quais 53 na UTI, ela conseguiu vencer a Covid-19 em junho de 2020. “Mesmo intubada e traqueostomizada, a equipe pôde facilitar o processo para que a paciente pudesse voltar a comer pela boca, sem nenhuma inabilidade, com total segurança pulmonar. A participação da equipe multidisciplinar durante o tratamento dela me trouxe acalento e fortalecimento em dar continuidade ao processo de salvar mais vidas. As coisas vão sim melhorar, depois que tudo isso passar”, destacou Fabiane Menezes, visivelmente emocionada.
No meio das mudanças provocadas pelo isolamento social no início da pandemia, o contato com as pessoas recebeu forte transformação. E, obviamente, no ambiente hospitalar, não foi diferente. Com a necessidade de cuidarem de si e de suas famílias, muitos pacientes não puderam, incialmente, ter a oportunidade de receber a visita dos parentes, ainda mais em um momento tão importante e necessário para a saúde física e emocional. Como uma forma de expandir o cuidado humanizado, o HM implantou as Visitas Virtuais, por meio de chamadas de vídeo no tablet, realizadas pelo serviço social e equipe de psicologia, que são voltadas aos pacientes internados nos leitos clínicos. “A visita virtual conseguiu encurtar distâncias e permitiu a aproximação das pessoas. Ela tem contribuído não só para o tratamento do doente, mas, também, para deixar a família tranquila e confiante no trabalho que vem sendo realizado no Hospital da Mulher”, disse Marta Antônia de Lima, supervisora Assistencial do HM, ao ressaltar também a criação da Visita Guiada.
A fisioterapeuta Evelin Batista ressalta que tem sido difícil sair às ruas e ver as pessoas desrespeitando a própria vida e a dos outros, como se a pandemia do novo coronavírus já tivesse acabado. “O comportamento de grande parte da população diante da pandemia causada pelo novo coronavírus tem nos deixados aflitos. Apesar de todas as advertências e dos inúmeros apelos feitos pelo Governo do Estado, solicitando que as pessoas se mantenham em distanciamento social, o que se vê é o desprezo à morte dos mais de 3.500 mil alagoanos. Se as pessoas continuarem a agir como se a pandemia já tivesse acabado – ou nem começado -, todo o sistema de saúde ficará comprometido”, refletiu.
Ao longo do último ano – desde que os primeiros casos de Covid-19 foram identificados em Alagoas – o médico Djairo Araújo precisou tomar uma decisão difícil em sua vida. Atuando no HM desde a mudança do seu perfil assistencial, em 26 de março de 2020, ele decidiu morar sozinho, com o intuito de não voltar para casa e contaminar seus familiares. Mas, mesmo assim, os pais e os irmãos acabaram contraindo o vírus. Ele também teve Covid-19, logo no início da pandemia no Estado.
O que tem lhe dado forças para continuar trabalhando no cuidado a pessoas com Covid-19, mesmo cansado fisicamente e mentalmente, é em saber que está fazendo a diferença no dia a dia de pacientes e familiares, salvando vidas e levando esperança de cura e de tempos melhores. Ele relata que a rotina em uma UTI é sempre pesada – situação que, em tempos de Covid-19, afirma, ter se intensificado.
“A Covid-19 é única, no entanto, ela se comporta de maneira distinta, não só nos pacientes, mas, também, em seus núcleos familiares, atingindo-os em maior ou menor grau. Nós, médicos, temos que encontrar forças, dia a dia, para desempenhar o nosso papel da melhor forma possível. A equipe não perde o time, pois, quando um quer cair, o outro vai lá e levanta. Sabemos que o nosso objetivo maior é cuidar. Se eu não soubesse que é Deus que está conduzindo tudo isso, para que a gente consiga, em breve, retomar a tal normalidade que todos esperamos, talvez, fraquejaria. As minhas forças estão todas em Deus. Por isso, peço: continuem se cuidando, higienizando as mãos e evitando aglomerações. Esses cuidados que parecem ser básicos, são essenciais para que continuemos na caminhada para o novo normal”, frisou Djairo Araújo.
A técnica de enfermagem Rita de Cássia Barbosa salientou que o trabalho dos profissionais da linha de frente tem sido desafiador nesta segunda onda e, muitas vezes, segundo ela, até frustrante. “A sensação é de que a nossa luta não tem surtido resultado, em virtude do comportamento das pessoas. O que está acontecendo agora é que muitos jovens estão chegando aos leitos clínicos e, com poucos dias de internação, precisam rapidamente ser intubados. Tudo isso por conta da escolha de algumas pessoas em negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável. Esse vírus não brinca. Ele realmente vem para destruir sonhos, vidas, famílias. Vamos ter consciência, cuidado e empatia. Força para todos nós”, suplicou ela, chamando a atenção das pessoas que ainda estão banalizando a pandemia.
Rita de Cássia Barbosa destaca que o amor pela profissão e pela vida de cada paciente internado é o que tem lhe dado forças para continuar na batalha de salvar vidas. Por isso, faça chuva ou sol, vou continuar ajudando na recuperação desses doentes. Não penso em desistir. É uma missão que abracei e vou seguir até o fim”, completou a técnica de enfermagem, com a voz embargada, dentro do leito da UTI.
Privações – Ter que ficar longe de quem você mais ama, mesmo morando sob o mesmo teto, tem sido um desafio e tanto para a psicóloga Girlenne Albuquerque nos últimos 12 meses. Desde que o HM começou a atender os casos suspeitos ou confirmados da Covid-19, ela precisou redobrar os cuidados em casa para não contaminar seu marido, os filhos e, principalmente, sua mãe.
A psicóloga conta que a matriarca sempre gostou da mesa farta e, por isso, fazia questão de esperar a família, um por um, para saborear o café da manhã, o almoço e o jantar, com momentos agradáveis e especiais. “Com a pandemia, conversei com meus familiares para que ninguém se aproximasse dela, pois queria protegê-la de qualquer forma. Lá em casa, só depois que ela come e sai da cozinha, é que sentamos à mesa. Não queremos expô-la. Ficamos na mesa em determinados momentos, mas, todo mundo usando máscara”, relata Girlenne Albuquerque.
Depois que a pandemia acabar, a primeira coisa que ela pretender fazer é abraçar e dar um beijo em sua mãe. Um sentimento que foi nutrido pela conexão do cordão umbilical – pleno, completo, absoluto, que não impõe condições. “Não vejo a hora desse momento acontecer. Me seguro porque sei da importância do distanciamento. Tenho essa restrição do contato físico com minha mãe, mas, em compensação, posso estar com ela todos os dias, mantendo essa distância segura. Podemos assistir uma novela ou um culto na tevê. Quero chegar no fim dessa pandemia e dizer que sobrevivi e não desisti. Que ajudei muitas pessoas a enfrentar isso de uma forma mais leve. Quando aceitamos um desafio, precisamos ir até o fim”, pontuou, ao sentenciar: “Não queira estar no lugar das famílias que perderam seus entes queridos. Só quem perde, sabe o tamanho da dor”.