O escritor e teólogo Rodolfo Capler acredita que a falta de abertura para diálogos progressistas afasta a nova geração
Enquanto as igrejas evangélicas mantiverem a postura rígida, sem espaço para diálogos a respeito de pautas progressistas, como a homoafetividade e o movimento feminista, cada vez mais jovens que se identificam com a ideologia de esquerda vão abandonar os templos. Isso é o que diz o pesquisador, escritor e teólogo Rodolfo Capler. Ele, que também é pastor, alega que há um “fenômeno de evasão” da nova geração ocorrendo por causa dos posicionamentos políticos.
Desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) entrou na disputa pela cadeira da Presidência da República, em 2018, pastores e líderes da igreja evangélica passaram a declarar apoio a ele – muitas vezes, em campanha dentro dos próprios espaços religiosos. Além disso, o conservadorismo enraizado na direita extremista também ganhou força dentro dos ambientes de fé. Esse movimento, segundo Capler, espanta os jovens.
“Os pastores criticam os partidos de esquerda e isso faz com que haja resistência dos jovens. Eles vão se sentindo acuados e tolhidos. Falta abertura do pensamento contrário. A igreja deveria ser um ambiente mais plural, em que pessoas dos mais variados campos e espectros ideológicos podem conviver”, disse o teólogo.
Ele explica que a nova geração está engajada em temas progressistas e não aceita mais o preconceito que vem das igrejas. O pesquisador chegou a essas constatações ao escrever o livro “Geração Selfie”. Na ocasião, ele fez entrevistas com 300 jovens.
“As igrejas demonizam as pautas progressistas. Mas, hoje, os jovens são a favor do relacionamento homoafetivo, dos movimentos feministas, são totalmente contra qualquer tipo de comportamento racista. E como há banimento do pensamento contrário por parte desses líderes religiosos, acontecem essas agressões”, falou.
O teólogo alega que é possível perceber uma grande resistência dos jovens com relação à figura do presidente Jair Bolsonaro e o grupo bolsonarista formado após a sua eleição. “Ele é muito autoritário, tem falas muito deploráveis, e a juventude não se identifica”, diz.
“Tem um estudo da pesquisadora Jean W. Twenge, professora do Departamento de Psicologia da Universidade de San Diego, que entrevistou 4 milhões de jovens. Ela afirma que essa geração, a partir de 1995, é a mais inclusiva de toda a história. É natural que a nova geração tenha pensamentos mais inclusivos, e Bolsonaro é exclusivista”, justificou.
Capler diz que percebeu um aumento da evasão após a eleição de Bolsonaro. “A estética do Bolsonaro, de agressividade, não faz os jovens se identificarem. A evasão tem acontecido nos últimos anos. A grande maioria dos pastores evangélicos tem apoiado Bolsonaro. Muitos o fizeram de púlpito. Isso é um fator que pode ter resultado no abandono das igrejas”, avaliou.
As perspectivas para as próximas décadas são favoráveis, segundo o pesquisador. Ele defende que nos próximos anos as igrejas vão, pouco a pouco, se tornar ambientes mais abertos para novas configurações familiares, para o casamento homoafetivo e para as ideias feministas. Isso porque ocorre naturalmente um processo de ruptura de gerações.
“A gente vê que os líderes evangélicos estão mais velhos e novos pastores estão assumindo essas comunidades. Essa nova geração tende a ser mais inclusiva, então, eu penso que nas próximas décadas as igrejas vão começar a mudar. Vai ser um processo gradual, mas vai acontecer”, disse.
Capler afirma que é necessário “voltar para as pautas do evangelho” e que as interpretações feitas por muitos líderes religiosos partem da ideologia pessoal e não da Bíblia.
“Jesus defendeu que todas as pessoas devem ter os direitos básicos para sobreviver. Ele amou as mulheres. Teve seguidoras mulheres. Ele quebrou o racismo da época. Jesus quebrou todo o tipo de sexismo. Tudo isso são pautas do Evangelho. Para mudar, deve haver uma volta disso. Os líderes estão distantes dos ensinos de Jesus e mais apegados à própria ideologia. Em termos práticos, acredito que as igrejas devem abordar mais esses temas, deve-se falar sobre questões de gênero, homoafetividade, aborto e todos os temas. Se houver abertura, os jovens voltarão para as igrejas e novos jovens se identificarão”, avaliou.
Além das mudanças nas igrejas, o teólogo aponta para a necessidade de um novo pensamento da sociedade como um todo. “As igrejas são um recorte da sociedade. Se a sociedade é racista, então as igrejas também vão manifestar racismo. Se a sociedade é misógina, homofóbica, as igrejas também vão refletir um pouco disso. É um processo que tem que acontecer nas igrejas e na sociedade”, finalizou.